REINALDO AZEVEDO
FOLHA DE SP -
Só no Brasil o assalto ao bem público promovido pelo estatismo se tornou uma categoria de resistência
Vamos lá, leitor, exercitar um pouquinho de "pessimismo de combate"? É aquele que levou Carlos Drummond de Andrade a escrever que "lutar com palavras/ é a luta mais vã/ entanto lutamos/ mal rompe a manhã". Na quarta, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou relatório de Roberto Requião (PMDB-PR) proibindo a doação de empresas privadas a campanhas eleitorais. Segundo o senador, aceitá-la corresponderia a acatar a "legitimidade da influência do poder econômico no processo eleitoral e, por consequência, no resultado das eleições". Com muito mais fru-fru, glacê e gongorismo igualitarista, é o que pensa o ministro Roberto Barroso, do STF. Já há uma maioria no tribunal que vai por aí. Se a tese prosperar, o processo eleitoral ficará menos dependente do capital privado e mais dependente da... Petrobras!
A política brasileira, com frequência, é uma piada macabra com lances de chanchada. Não é surpreendente que um país com tantos recursos e com características demográficas e de formação social que constituiriam janelas de oportunidades ofereça a amplas maiorias uma vida tão ruim, tão insegura, tão sem perspectiva.
A sociologia, da mais preconceituosa à mais ambiciosamente iluminista, pode ilustrar a melancolia e as "vastas solidões" (Joaquim Nabuco) em que transita o pensamento em Banânia, mas não as explica. A trilha persistente do atraso remete mesmo a uma palavrinha fora de moda, cujo sentido tanto a direita como a esquerda tentaram e têm tentado esvaziar: ideologia. Não há nada de errado com o clima. Não há nada de errado com o povo. Não há nada de errado com a história --todas as nações têm a sua, e o passado, visto à luz das conquistas morais do presente, nunca é meritório. Catastróficos por aqui são os valores que explicam a realidade e que, em larga medida, buscam substituí-la.
O que é aquilo na fala de Requião? Ele jamais vai entender que sonhos de justiça corromperam e mataram mais do que o capital. Talvez tenham salvado mais também. Não são termos permutáveis. Pensem na casa da mãe Dilmona em que se transformou a Petrobras. Parece evidente que Paulo Roberto Costa, o ex-diretor que está em cana, usava, sim, a empresa em proveito próprio, mas fazia também a corretagem a serviço de partidos. Só um idiota ou um rematado canalha (ou ambos num só) não reconhecem que, se a Petrobras fosse uma empresa privada, pagaria menos pelos serviços que contrata porque não seria preciso pagar o "Imposto Corrupção".
Venham cá: por que um partido político faz tanta questão de ter a diretoria de uma estatal? Para que suas teses sobre refino de petróleo ou hidrologia triunfem sobre as de seus rivais? Trata-se de uma luta de cavalheiros? Disputam as estatais para alimentar a República dos Ladrões. É cru, eu sei, mas é assim. E Requião, Barroso e outros sábios decidiram que a doação legal de campanha é que faz mal à democracia brasileira.
A disputa sobre mais Estado ou menos na economia e na sociedade não é nova, mas só no Brasil o assalto ao bem público promovido pelo estatismo se transformou numa categoria de resistência dos "oprimidos". Basta ver a tecla na qual petistas e congêneres decidiram bater: criticar a bandalheira na estatal seria falta de amor pelo Brasil. Samuel Johnson disse que o patriotismo é o último refúgio de um canalha porque não conheceu nossos ladrões.
O PT concorda com Requião e com Barroso. O partido enviou uma mensagem aos filiados, no dia 14, cobrando o apoio a uma emenda de "iniciativa popular" que institui o financiamento público exclusivo de campanha e o voto em lista fechada. O objetivo, está lá, é "fazer do PT o protagonista da grande e necessária reforma, que certamente mudará os rumos das eleições em nosso país". Considerando que o PT venceu as três últimas e é o primeiro partido da Câmara e o segundo do Senado, "mudar o rumo das eleições" deve implicar torná-las ociosas. Afinal, o Petróleo é nosso, mas a Petrobras é deles.
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