ROBERTO DAMATTA
O Estado de S.Paulo -
Transcrevo, com as omissões devidas, uma carta que recebi do professor Richard Moneygrand.
Um estado de transição tem um pouco do agora e do depois sem, entretanto, ser nenhum dos dois. Vocês não sabem onde o vendaval (ou a "tempestade perfeita" como alguns chamam) vai desabar, mas não podem deixar de pressenti-lo. Ela tem a sua própria realidade, a qual demanda posicionamentos e atitudes nem sempre confortáveis porque todo drama exige confronto entre liberdade e determinismo.
Alguns sugerem examinar as contradições e paradoxos vividos; outros, querem uma revalidação de princípios e valores que marcaram os erros desta fase histórica, os quais faliram precisamente porque as pessoas e o partido que administrou o país são os principais atores deste momento indeciso. Indecisões, acentue-se, promovem a crítica a valores ditos como indiscutíveis. No caso do Brasil, uma história transcendental que iria libertar os oprimidos e os miseráveis e os diretores dessa fase tidos como politicamente invencíveis.
Uma das dimensões deste momento liminar tem a ver com o desmascaramento dos salvadores do Brasil. A era inaugurada faz mais de uma década pelo governo de "esquerda" revelou teimosamente personagens tão ou mais ávidos de enriquecimento pessoal do que os velhos e abomináveis mandões do mal dos filmes de Glauber Rocha. A revelação cínica de que o sujeito é honesto até chegar ao poder, quando se transforma num canalha, é um dos dados mais fortes deste "onde estamos" de vocês.
Afinal, há ou não uma boa noção de quem fez alguma diferença, liquidando a inflação e governando com competência e bom senso? Entre a administração de FHC (acentuada pelo reestabelecimento do dinheiro como um valor estável); e a era do absolutismo petista de Lula e de sua invenção, a gerentona Dilma, se desmascara ou não - pergunto - o viés acentuado pelos arranjos políticos e por um ruidoso aparelhamento do Estado em benefício de um projeto de poder contrário ao regime liberal em qualquer manifestação de capitalismo? Sobretudo desse capitalismo sem peias como o vosso? O sono do Brasil não teria como base a crença numa resolução messiânica para todos os seus problemas; daí a atração pelo conceito de "revolução" em toda a latinidade americana, quando - agora - acho que vocês começam a desconfiar que nada neste mundo de Deus pode ser resolvido paulatinamente, a não ser por todos e cada um? E com a descoberta de que para se viver num país igualitário é preciso dizer não aos amigos e, acima de tudo, a si mesmo?
As crises marcadas pelo enriquecimento pessoal rápido, absurdamente ganancioso e ardiloso dos políticos no poder em carreiras que confundem o técnico e o político, não foram inventados pelos vossos jornais e cronistas reacionários e antigovernistas. Não é a mídia que inventa o desaparecimento do avião, os assassinatos de meninos por meninos nas escolas americanas, os escândalos da Petrobrás, o desacerto do gerenciamento e de um Brasil alarmantemente desconsertado. São os fatos inexoráveis nas suas contradições - um governo do povo que tira desse povo - que engendram interpretações, promovem vergonha e demandam apurações.
Contemplar a liberdade sem nenhuma contrapartida de responsabilidade produz - ao lado de estruturas mal discutidas como o estilo aristocrático de vida do Brasil onde uma pequena camada pode usar o proibir definitivo do proibido proibir - uma poderosa demanda de igualitarismo que ninguém tem a coragem de conter. Sobretudo, num ano eleitoral. Trata-se de um drama em que movimentos geram movimentos de movimentos, cada qual o mais extremado e contraditório.
Vocês estão passando do "não pode" ao "tudo pode". Quem vai tirar o Brasil do seu leito de gigante adormecido?
Vai ser um programa baseado na consciência de que não é mais admissível usar o Estado como instrumento de enriquecimento pessoal? Vai ser o uso mais consciencioso do bom senso que impede o emprego partidariamente motivado de dois pesos e medidas como tem ocorrido nesta era lulo-petista? Ou será um jogo com regras que todos conhecem e aceitam como ocorre nos esportes?
O passo adiante vai dizer. E quem vai dar esse passo são vocês.
Take care,
Dick
Transcrevo, com as omissões devidas, uma carta que recebi do professor Richard Moneygrand.
Um estado de transição tem um pouco do agora e do depois sem, entretanto, ser nenhum dos dois. Vocês não sabem onde o vendaval (ou a "tempestade perfeita" como alguns chamam) vai desabar, mas não podem deixar de pressenti-lo. Ela tem a sua própria realidade, a qual demanda posicionamentos e atitudes nem sempre confortáveis porque todo drama exige confronto entre liberdade e determinismo.
Alguns sugerem examinar as contradições e paradoxos vividos; outros, querem uma revalidação de princípios e valores que marcaram os erros desta fase histórica, os quais faliram precisamente porque as pessoas e o partido que administrou o país são os principais atores deste momento indeciso. Indecisões, acentue-se, promovem a crítica a valores ditos como indiscutíveis. No caso do Brasil, uma história transcendental que iria libertar os oprimidos e os miseráveis e os diretores dessa fase tidos como politicamente invencíveis.
Uma das dimensões deste momento liminar tem a ver com o desmascaramento dos salvadores do Brasil. A era inaugurada faz mais de uma década pelo governo de "esquerda" revelou teimosamente personagens tão ou mais ávidos de enriquecimento pessoal do que os velhos e abomináveis mandões do mal dos filmes de Glauber Rocha. A revelação cínica de que o sujeito é honesto até chegar ao poder, quando se transforma num canalha, é um dos dados mais fortes deste "onde estamos" de vocês.
Afinal, há ou não uma boa noção de quem fez alguma diferença, liquidando a inflação e governando com competência e bom senso? Entre a administração de FHC (acentuada pelo reestabelecimento do dinheiro como um valor estável); e a era do absolutismo petista de Lula e de sua invenção, a gerentona Dilma, se desmascara ou não - pergunto - o viés acentuado pelos arranjos políticos e por um ruidoso aparelhamento do Estado em benefício de um projeto de poder contrário ao regime liberal em qualquer manifestação de capitalismo? Sobretudo desse capitalismo sem peias como o vosso? O sono do Brasil não teria como base a crença numa resolução messiânica para todos os seus problemas; daí a atração pelo conceito de "revolução" em toda a latinidade americana, quando - agora - acho que vocês começam a desconfiar que nada neste mundo de Deus pode ser resolvido paulatinamente, a não ser por todos e cada um? E com a descoberta de que para se viver num país igualitário é preciso dizer não aos amigos e, acima de tudo, a si mesmo?
As crises marcadas pelo enriquecimento pessoal rápido, absurdamente ganancioso e ardiloso dos políticos no poder em carreiras que confundem o técnico e o político, não foram inventados pelos vossos jornais e cronistas reacionários e antigovernistas. Não é a mídia que inventa o desaparecimento do avião, os assassinatos de meninos por meninos nas escolas americanas, os escândalos da Petrobrás, o desacerto do gerenciamento e de um Brasil alarmantemente desconsertado. São os fatos inexoráveis nas suas contradições - um governo do povo que tira desse povo - que engendram interpretações, promovem vergonha e demandam apurações.
Contemplar a liberdade sem nenhuma contrapartida de responsabilidade produz - ao lado de estruturas mal discutidas como o estilo aristocrático de vida do Brasil onde uma pequena camada pode usar o proibir definitivo do proibido proibir - uma poderosa demanda de igualitarismo que ninguém tem a coragem de conter. Sobretudo, num ano eleitoral. Trata-se de um drama em que movimentos geram movimentos de movimentos, cada qual o mais extremado e contraditório.
Vocês estão passando do "não pode" ao "tudo pode". Quem vai tirar o Brasil do seu leito de gigante adormecido?
Vai ser um programa baseado na consciência de que não é mais admissível usar o Estado como instrumento de enriquecimento pessoal? Vai ser o uso mais consciencioso do bom senso que impede o emprego partidariamente motivado de dois pesos e medidas como tem ocorrido nesta era lulo-petista? Ou será um jogo com regras que todos conhecem e aceitam como ocorre nos esportes?
O passo adiante vai dizer. E quem vai dar esse passo são vocês.
Take care,
Dick
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