Eduardo Saboia protagonizou um dos mais marcantes episódios da
diplomacia brasileira. E até agora o caso não teve desfecho
Marcela Mattos, de Brasília
O diplomata Eduardo
Saboia foi afastado de suas funções por tempo indeterminado por ter conduzido a
operação que trouxe ao Brasil o senador boliviano Roger Pinto Molina
Protagonista de uma história
com roteiro cinematográfico,
com direito a fuga e ameaças, o diplomata Eduardo Saboia vive em um limbo desde
que trouxe ao Brasil o senador boliviano Roger Pinto Molina.
O ex-parlamentar de oposição era perseguido pelo governo de Evo Morales e ficou
asilado, com o aval do governo brasileiro, por 455 dias na Embaixada do Brasil
na Bolívia. Servidor de carreira, Saboia é ministro-conselheiro do Ministério
das Relações Exteriores. Após a epopeia com a fuga de Molina para o Brasil, ele
se tornou alvo de processo disciplinar que se arrasta há oito meses na comissão
de sindicância do Itamaraty – e não tem prazo para ser concluído. Na última
quarta-feira, o colegiado voltou a empurrar a decisão se ele deve ou não ser
punido pelo episódio: prorrogou os trabalhos por mais 30 dias, como vem
ocorrendo sucessivamente desde outubro. Enquanto aguarda uma deliberação sobre
o caso, Saboia foi deixado na geladeira e lotado em uma função administrativa.
Constrangido, ele pediu licença do cargo no dia 8.
Ex-encarregado de Negócios na
Embaixada brasileira, Saboia tem 46 anos, metade deles vividos no Itamaraty. A
atuação do diplomata era considerada impecável pelo Ministério das Relações
Exteriores e lhe rendeu, inclusive, uma condecoração pelo ex-presidente Lula
com a medalha da Ordem do Rio Branco. No entanto, a carreira foi interrompida
após, diante da inoperância do governo brasileiro, ajudar o senador a escapar
das ameaças da tropa comandada por Morales. Molina denunciou o envolvimento de
autoridades bolivianas com o tráfico de drogas.
Logo ao chegar ao Brasil, no final de
agosto, Saboia foi afastado de suas funções e tornou-se objeto de investigações
de uma sindicância interna do órgão. Um relatório final, que deve ser elaborado
por uma comissão, decidirá se o diplomata deve ou não ser punido. As medidas
disciplinares aplicáveis vão desde uma advertência à demissão do cargo.
Com o futuro incerto, o diplomata foi
realocado no cargo secundário de assessor no departamento de Assuntos
Financeiros e de Serviços do Itamaraty – uma função administrativa, sem status
de chefia nem gratificações que tinha como ministro. “Isso é um assédio moral
do ponto de vista de não conceder qualquer atividade na altura do que ele possa
exercer. Hoje ele está sentado em uma cadeira sem fazer nada”, afirma a defesa
de Saboia, o advogado Ophir Cavalcante.
Saboia, por outro lado, evita tecer
comentários sobre o posto. Mas reclama da demora em ter o caso solucionado:
“Hoje eu faço o trabalho que me passam. Lá dentro eu virei aquele cara que tem
uma sindicância e que, por isso, é constantemente julgado. Eu já estou sendo
punido”, disse, em entrevista ao site de VEJA concedida em uma confeitaria de
Brasília. Antes de conversar com a reportagem, Saboia tomou um chá com o
senador Molina. A defesa do boliviano o orienta a não dar entrevistas.
Ao longo de conversa de uma hora, o
diplomata explicou que decidiu pedir licença de suas funções por três meses,
que pode ser prorrogada pelo mesmo período - benefício concedido por tempo de
serviço a servidores públicos -, e planeja usar o tempo para avaliar “outras
possibilidades” para a carreira. Na última segunda-feira, Saboia esteve no
evento que selou a chapa de Eduardo Campos e Marina Silva para a disputa
eleitoral deste ano. Ele nega, porém, ter pretensões políticas ou ser filiado a
algum partido, mas não descarta participar da campanha: “Eu quero contar a
minha história nessas eleições”.
A fuga - Alegando ser
perseguido politicamente, o senador boliviano Molina conseguiu asilo na
embaixada brasileira, onde permaneceu por 15 meses em condições degradantes:
viva em um pequeno quarto improvisado, sem direito a banho de sol e com
permissão apenas para receber visitas esporádicas de familiares e do advogado.
O governo brasileiro sabia da situação de Molina, mas não tomou providências ao
longo de todo o período.
Depois de mais de um ano nessa
condição, o senador entrou em depressão e teve a saúde debilitada. Em agosto de
2013, Saboia, que à época ocupava o cargo de embaixador interino, decidiu
resolver o problema com as próprias mãos: em um carro oficial escoltado por
fuzileiros navais brasileiros, ele e Molina viajaram por 22 horas entre La Paz
e Corumbá, no Mato Grosso do Sul, e depois seguiram para Brasília em um avião
obtido pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES). A ação não foi previamente
informada ao governo brasileiro.
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