Jornalista Andrade Junior

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

O trem das onze -JOSÉ HORTA MANZANO


CORREIO BRAZILIENSE - 
Desde que Nostradamus escreveu suas centúrias, faz meio milênio, profecias passaram de moda. Técnicas previsionais vêm evoluindo, mas ainda não são infalíveis. A curto prazo, é até fácil prever. A médio prazo, a margem de incerteza se amplia e a coisa se complica. A longo prazo, é missão quase impossível. Mais fácil tirar a sorte grande do que predizer a situação do planeta daqui a 10 anos.

Em outubro de 2006, com a oportuna desistência da Argentina, do Chile e da Colômbia, a candidatura brasileira a sediar a Copa do Mundo de 2014 foi sacramentada pela Fifa. Faz mais de 7 anos. Pareceu a todos - por que negá-lo? - uma excelente perspectiva. O tempo era de vacas gordas, obesas até. Tudo era sorrisos. Nosso povo, embevecido, acreditava que o futuro tinha chegado, que estávamos no Primeiro Mundo, que a pobreza tinha desaparecido. Semicerrando os olhos, dava até para ouvir o silvo de trens-bala cortando montes e cerrados.

A euforia era tamanha que nossos descuidados dirigentes sapecaram seu jamegão numa Lei Geral da Copa, demandada pela Fifa, em que abandonávamos parte de nossa soberania. Afinal, o privilégio de sediar o evento justificava um que outro arranhão em nossa legislação. Nossos mandachuvas já antegozavam a consagração suprema de seu peculiar modo de governar.

No entanto... A vida reserva surpresas. Nenhum guru foi capaz de prever que, um ano antes da Copa, num certo junho, o gigante adormecido estremeceria e daria sinal de vida. Não vale a pena repisar aqui o susto que o Brasil e o mundo levaram. Aconteceu.

De lá para cá, um incômodo concurso de circunstâncias arrefeceu a euforia. Economia em perdição, corrupção às escâncaras, desmandos, volta da inflação trouxeram desalento. Black blocs, rolezinhos, acidentes em estádios, atraso nas construções, gente graúda na cadeia, nós logísticos encruados atiçaram o fogaréu. Parece que as coisas teimam em não dar certo. E essas redes sociais, então! Desprezando soberbamente o empenho do governo em manter discrição sobre fatos desagradáveis, botam a boca no trombone. Todo o mundo fica sabendo de tudo! Um desplante e uma dor de cabeça.

Uma semana atrás, o gigante mostrou que continua a se mexer na cama. Manifestações violentas voltaram. Nossa presidente, em viagem ao exterior na companhia de comitiva pletórica, teve de escafeder-se para evitar cobranças embaraçantes.

Os ventos estão soprando desnorteados. Promessas já não parecem mais surtir efeito. Um clima pré-anárquico se insinua. E pensar que, daqui a pouco mais de quatro meses, um pontapé marcará o início da "Copa das Copas". Que fazer? Como fugir ao vexame que se prenuncia - em transmissão direta a bilhões de telespectadores? Mais que isso: terminada a Copa, como assegurar o apaziguamento dos ânimos?

À primeira vista, parece que não tem mais jeito. Mas sejamos otimistas. O que passou, passou - não dá para voltar atrás. Ainda resta uma esperança de evitar o pior. No apuro, é respirar fundo, arregaçar as mangas, fazer das tripas coração e dar ao povo o que ele reclama. Um Brasil esgarçado por anos de desleixo não se transfigurará em quatro meses. Mas resta um último recurso para acalmar o gigante.

Todos sabem o que transtorna os brasileiros: corrupção, compadrio, malfeitos, promiscuidade entre o público e o privado, permissividade, fiscalidade extorsiva, desleixo no trato da coisa pública, nível de instrução cronicamente baixo. Discursos e palavrório não servem mais. Convocação de plebiscito, tampouco. Mas os mesmos congressistas que foram capazes de costurar, tim-tim por tim-tim, os mais de 100 artigos da Lei Geral da Copa ainda têm tempo hábil para alinhavar uma Lei Geral do Brasil Decente - um elenco de normas apto a repor o país nos trilhos. E dentro do "padrão Fifa", faz favor!

As próximas semanas são cruciais e não podem, sob nenhum pretexto, ser descuradas. Uma legislação nova e rígida tem de ser preparada, discutida, votada, aprovada e sancionada no mais curto prazo possível. Que respeitem a Constituição, mas que não nos venham com promessas. De pactos não cumpridos, estamos até aqui. E que trabalhem a toque de caixa, que faltam cinco para a meia-noite.

O momento é grave. Esta é a chance derradeira, senhoras e senhores do andar de cima! É o trem das onze - e já está apitando a partida. Se bobear, só amanhã de manhã. Se houver amanhã.

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