LUIS FERNANDO VERÍSSIMO
Coppola faz uma metáfora, no cinema, para competição selvagem que tudo corrompe e no fim tudo justifica, inclusive a sangueira
Durante muito tempo, por pressão da comunidade ítalo-americana, o cinema não pôde mostrar ou sequer sugerir uma ligação explícita dos italianos com a máfia, nos Estados Unidos. Mesmo em filmes de gangster clássicos, como “Scarface”, esta identificação era evitada. Em nenhuma das suas múltiplas aparições em filmes, o Al Capone foi abertamente italiano. (Para todos os efeitos, seu sobrenome poderia ser francês). Quem acabou com estes pruridos para sempre foram diretores como o Coppola e, principalmente, o Scorcese, que nos seus filmes não apenas retrataram a máfia — ou a máfia predominante num pais em que irlandeses e judeus também recorreram ao crime para se impor no tiroteio capitalista — como coisa de italiano como compensaram todos os anos em que não se podia tocar no assunto ostentando, quando não glorificando, sua ascendência. Pode-se dizer que os dois, descendentes de italianos, afrontaram a América com sua italianidade (se é que existe a palavra), assumida. No caso de Scorcese, ele continua afrontando.
Na trilogia “O poderoso chefão”, Coppola, o mais político dos dois, conta a saga de uma família em busca da respeitabilidade que na América, como na Sicília, só vem com o poder. Nos filmes, a respeitabilidade é um fim fatalmente envenenado pelos meios para alcançá-la, mas no processo de narrar este fracasso Coppola nos dá uma metáfora para a competição selvagem que tudo corrompe e no fim tudo justifica, inclusive a sangueira. A máfia do Coppola é apenas nossa sociedade de todos os dias levada ao extremo. Scorcese não é tão político e metafórico, mas também gosta dos extremos, no seu caso extremos italianos, operáticos. Não por acaso, no seu filme “Touro indomável” a fúria do lutador Jake La Motta no ringue é acompanhada por árias de óperas, a fúria e as árias produtos do mesmo espírito arrebatado. Scorcese não se desculpa por seus excessos nem busca aprovação moral para suas óperas de crueldade. O narrador do filme “Os bons companheiros”, que faz carreira na máfia e no fim delata seus bons companheiros, termina seu relato de execuções, torturas e outras barbaridades com a frase: “A verdade é que foi tudo muito divertido.” Nos filmes amorais do Scorcese, nada mais divertido do que os excessos.
O herói de “O lobo de Wall Street” não é italiano, mas não precisa ser. O diretor é italiano pelos dois. Pode-se dizer tudo do vigarista do filme e dos seus companheiros, menos que eles não se divertem, seja esbanjando dinheiro, comendo grandes mulheres ou praticando arremesso de anões, um passatempo que pode se tornar popular depois do filme. Enfim, o filme é muito engraçado. O que que eu estou dizendo? O filme é uma afronta!
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