CELSO ARNALDO ARAÚJO
Nos encontros com o papa ─ e ela acaba de ter o segundo ─ o dilmês se transforma em dilmunhol. E Francisco, um argentino iluminado que fala português melhor que a presidente da República, finge com meneios de cabeça que compreende tudo – como compreende os mistérios deste e de outros mundos.
Mas semana passada, no Vaticano, após a sagração de dom Orani Tempesta como novo cardeal brasileiro, o Sumo Pontífice ouviu de Dilma uma confusa história a respeito de jesuítas fazendo embaixadinhas em Itu. E deve ter ficado atordoado: escrituras em sânscrito interpretadas por Eduardo Suplicy seriam mais claras.
Desde esse encontro com Dilma, o papa Francisco está convencido de que a carta da irmã Lúcia sobre o terceiro segredo de Fátima, guardada e aguardada por mais 70 anos e agora exposta ao público até 31 de outubro no Santuário de Fátima, perdeu todo o seu interesse para os cristãos.
Em ano de Copa, o “bate-bolão” dos jesuítas, tal como lhe foi revelado pela presidente Dilma Rousseff, se transformou numa espécie de quarto segredo ─ a mobilizar os teólogos da Igreja.
Foi na entrevista coletiva dada por Dilma à imprensa brasileira, logo após seu encontro com o papa Francisco ─ assista ao vídeo no confessionário desta coluna. Nos primeiros minutos, ela vaga, como sempre, no sombrio mundo do pensamento humano transcrito em dilmês ─ ao tentar descrever sua conversa “muito, acho muito importante” com o “santo papa” e”“uma Copa pela Paz e uma Copa contra o Racismo”, portanto duas. Diz ter pedido a Francisco uma “mensagem dele sobre esse posicionamento da Copa do Mundo no Brasil, que é a Copa das Copas”. E, enfim, diz que conversaram a respeito “dessa questão, que sempre que brasileiros e argentinos se encontram e falam sobre a Copa é tocada a questão de quem ganha a Copa do Mundo”.
Ninguém havia ainda reparado nisso: sempre que se fala em Copa do Mundo, alguém toca nessa questão incômoda de que só uma seleção vai ganhá-la. Ah, teve também a história dos presentes ao papa ─ incluindo uma camisa do Palmeiras, fora do protocolo, contrabandeada pelo carola Gilberto Carvalho. Não é de estranhar que, em virtude desse pecado venial, o Palmeiras tenha perdido ontem sua invencibilidade no Paulistão. Enfim, Dilma surge com uma epifania surpreendente sobre o novo cardeal brasileiro: “Dom Orani é um homem de fé”.
Mas, até aqui, eram apenas dilmices pontifícias ─ nenhuma surpresa. E eis que, aos 8min30s do vídeo, surgem as primícias da revelação que mudou o rumo da conversa com o papa:
“Eu recebi outro dia um livro de um pesquisador lá da Unicamp”.
Meu Deus: um livro? De novo o salto no escuro ─ e agora sem rede de proteção. Até hoje, sempre que tentou lembrar publicamente do título de um livro que acabou de ler, ela contou com a ajuda dos universitários do governo. Desta vez, espera-se, será diferente ─ mesmo porque, ela está sozinha diante dos microfones. Ademais, o livro foi citado, e provavelmente entregue ao papa junto com outros sobre a história dos jesuítas no Brasil, apenas cinco minutos atrás. Ok, o nome do livro é…
“Agora acabei de esquecer o nome do livro… Mas ele é interessante”.
Quando a presidente acaba de esquecer algo, não há a menor possibilidade de lembrar logo ─ o esquecimento está muito recente e tem vida longa.
Mas o que vale é o conteúdo, não?
“Ele coloca a seguinte polêmica, polêmica: quem é que trouxe o futebol para o Brasil? Ora, nós todos, até recentemente… eu até ler esse livro achava que era o Charles Miller. E ele diz o seguinte, que não foi o Charles Miller, que o futebol chegou no Brasil através dos jesuítas. E isso até falei isso para o papa, e isso no colégio paulista de São Luís, em Itu, que era um colégio jesuíta”.
Humm ─ afinal, a presidente contou isso ao papa no Vaticano ou no “colégio paulista de São Luís, em Itu”? E o futebol “chegou no Brasil”, assim sem mais nem menos? Chegou ao Porto de Santos, com gramado e tudo?
Conhecer o livro e o autor de um livro que Dilma diz ter lido é sempre prudente antes de se ter contato com o pastiche que Dilma fez do livro, ao descrevê-lo em dilmês.
Não há a menor dúvida de que o livro é interessante ─ e, mencionado num encontro com um papa argentino amante do futebol e jesuíta, em pleno Vaticano, e em ano de Copa, é promessa de gol de placa. O livro que Dilma diz estar fingindo ler se chama “Visão do Jogo ─ Primórdios do futebol no Brasil” e foi escrito por José Moraes dos Santos Neto, professor do Colégio Pio XII, em Campinas ─ que não é pesquisador da Unicamp, mas apenas formado lá.
Enxuto, com apenas 118 páginas, em bela edição da editora Cosac Naify, o livro traz revelações curiosas sobre os primeiros chutes numa bola de futebol no Brasil. E na vasta pesquisa feita pelo professor José, destaca-se a informação de que não foi propriamente Charles Miller o introdutor dos rudimentos do football no Brasil ─ a primazia coube uns 10 anos antes aos jesuítas, companhia do papa. Instadas pelo imperador Pedro II a introduzir exercícios físicos ao ar livre no currículo, dentro do princípio “mens sana, corpore sano”, algumas das escolas da elite brasileira saíram a campo para pesquisar novas formas de atividade esportiva. O colégio jesuíta São Luis, então instalado na cidade de Itu, enviou uma comissão de padres a Londres, onde só se falava no tal football. E, por volta de 1882, os jesuítas do São Luís acabaram trazendo para cá o item mais fundamental do novo esporte ─ a bola. Aliás, duas ─ eram câmaras de ar envolvidas por couro. Quando essas bolas se desgastaram com tantos pontapés, os jesuítas as substituíram por bexigas de boi ─ mas o princípio era o mesmo: chutes contra a parede. Era o que eles chamavam de “bate-bolão”.
Padres e alunos do colégio chutavam juntos, mas ainda sem praticar o chamado “association football”, que pressupõe a formação de dois times de 11 e a existência de regras. Enfim, o paulista Charles Miller, depois de uma temporada de estudos na Grã-Bretanha, a pátria do esporte bretão, voltou ao Brasil em 1894, com um livro de regras, outro par de bolas e um de chuteiras. Foi o começo de times competitivos no Brasil. Resumindo: a verdade é que, no Brasil, os primeiros a jogarem uma pelada improvisada foram mesmo os jesuítas e seus alunos.
Sim: contada a um papa jesuíta, a história podia ser um gol de letra, em pleno campo do Vaticano. O problema é que a bola está com Dilma Rousseff, que se prepara para chutar em gol, de orelhada:
“Primeiro foi uma espécie que ele chama de bate-bolão. Eu tô lá no fim do livro, eu li no avião. Primeiro ele chamava de bate-bolão. Depois colocaram as, as traves, né, as traves do gol, e construíram os times de 11 de um lado, e 11 do outro. Não era aquele tipo de disputa, mas usavam já camisas, camisetas de diferentes cores. Não é, vamos dizer, o início do futebol tal como conhecemos, com todas as regras e tal. Mas é, sem sombra de dúvida, muito interessante o fato de ter sido os jesuítas que trouxeram o futebol para o Brasil, no final do século XIX, 1800 e… lá no final do século XIX”.
Resumindo: Deus é brasileiro, o papa é argentino e nosso futebol é jesuíta. Ok, mas quem ganha a Copa do Mundo?
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