Jornalista Andrade Junior

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

A vaquinha dos mensaleiros -

EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR -
Muitos se sentiram de alma lavada com a carta de Gilmar Mendes a Eduardo Suplicy, mas a atitude do ministro do STF é passível de críticas



O ex-ministro e mensaleiro condenado José Dirceu está prestes a arrecadar os R$ 971 mil de que precisa para quitar a multa que lhe foi imposta pelo Supremo Tribunal Federal durante o julgamento do mensalão. Dirceu é o último dos petistas a contar com a solidariedade de companheiros: antes dele, José Genoino recebeu quase R$ 700 mil, superando os R$ 667,5 mil que devia; e Delúbio Soares, condenado a pagar R$ 467 mil, conseguiu a proeza de levantar R$ 1,013 milhão. Os excedentes foram para Dirceu e para o ex-deputado João Paulo Cunha, que nem precisou de vaquinha para juntar R$ 373,5 mil.

Tanta generosidade chamou a atenção do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que levantou suspeitas sobre a origem do dinheiro e cobrou uma investigação, que o Ministério Público está realizando em alguns estados. O senador petista Eduardo Suplicy enviou um ofício ao magistrado, interpelando-o a respeito de suas declarações, e Mendes respondeu com uma carta que fez muitos brasileiros se sentirem de alma lavada, mas que apresenta alguns aspectos que merecem discussão mais profunda.

O primeiro problema é o da argumentação usada pelo magistrado para condenar as vaquinhas. Segundo Mendes, como o artigo 5.º da Constituição diz, em seu inciso XLV, que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”, a arrecadação de dinheiro pelos mensaleiros seria ilegal. “Também a pena de multa é intransferível e restrita aos condenados”, escreveu o ministro do STF. De fato, assim é. Mas a comparação, por exemplo, com uma hipotética vaquinha na qual milhares de pessoas se oferecessem para cumprir, cada uma, um dia de cadeia no lugar de um mensaleiro não se sustenta.

Gostemos ou não, afastada a hipótese de alguma irregularidade na coleta, o fato é que as pessoas voluntariamente repassaram seu dinheiro aos petistas. Quando do pagamento da multa, o valor pertencia aos condenados, e não a outros. Uma comparação mais adequada seria o caso de um artista que, condenado a pagar multa, realizasse uma apresentação para levantar, com o dinheiro dos ingressos, os recursos para quitar seu débito com a Justiça. Que ocorram episódios como o da vaquinha é um risco assumido por qualquer tribunal que estabeleça penas pecuniárias. Podemos e devemos lamentar o fato de haver tantas pessoas dispostas a ajudar criminosos condenados a reunir milhões de reais, enquanto outras causas muito mais nobres enfrentam dificuldades quase insuperáveis para levantar uma fração do que os mensaleiros arrecadaram. Mas, se a apuração do Ministério Público não achar irregularidades, só resta esperar que todas as movimentações sejam devidamente informadas à Receita Federal para eventuais cruzamentos de dados.

Já na segunda metade da carta, Gilmar Mendes sugere a Suplicy uma vaquinha para restituir o Tesouro dos recursos desviados para o mensalão. “Não sou contrário à solidariedade a apenados. Ao contrário, tenho certeza de que Vossa Excelência liderará o ressarcimento ao erário das vultosas cifras desviadas – esse, sim, deveria ser imediatamente providenciado. Quem sabe o ex-tesoureiro Delúbio Soares, com a competência arrecadatória que demonstrou – R$ 600.000,00 em um único dia, verdadeiro e inédito prodígio! –, possa emprestar tal expertise à recuperação de pelo menos parte dos R$ 100 milhões subtraídos dos cofres públicos”, escreveu o ministro.

A ironia e o sarcasmo, quando bem usados, são ferramentas importantes para o debate político e a denúncia. O trecho citado, no entanto, por mais genial que seja, vem da fonte errada. Estaria perfeito na boca de um parlamentar da oposição, mas na pena de um ministro do Supremo Tribunal Federal, que precisa se portar com uma dignidade e uma isenção absolutas, soa mal. Agindo como agiu, Gilmar Mendes acaba dando munição para seus detratores, que veem nele não tanto um magistrado, mas um militante político de oposição. Com o julgamento dos embargos infringentes tendo começado na quinta-feira passada, a ironia de Mendes, por mais acertada que tenha sido em seu objeto, causa um ruído desnecessário e prejudicial.

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