CLÓVIS ROSSI
Diplomacia brasileira não pode cometer o erro de tomar partido em uma Venezuela rachada ao meio
No finalzinho de 2002, Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente eleito, mas ainda não empossado, enviou a Caracas o seu futuro assessor diplomático, Marco Aurélio Garcia, para um esforço de conciliação em um momento em que o país parecia caminhar para uma guerra civil.
É bom lembrar que, meses antes, Hugo Chávez havia sido deposto por um golpe de efêmera duração, claro indicativo do grau de exacerbação a que chegara o país.
Graças à gestão de Marco Aurélio, criou-se um grupo chamado de Amigos da Venezuela, que foi essencial para amortecer a crise.
Onze anos depois, a situação na Venezuela voltou ao ponto de ebulição, o que sugere que Marco Aurélio poderia ser de novo convocado para uma discreta missão moderadora. Afinal, tudo o que não interessa ao Brasil é mais turbulência em sua fronteira norte ou dar cego apoio ao regime chavista.
Antes de mais nada, é preciso aceitar que a Venezuela rachou ao meio. O resultado eleitoral do ano passado (50,6% para Nicolás Maduro contra 49,12% para o oposicionista Henrique Capriles) é definitivo a esse respeito.
Trabalhar só com o chavismo seria, assim, dar às costas à metade da população venezuelana, erro que nenhum país sério pode cometer.
Convém, portanto, ser cauteloso em relação à prisão do líder opositor Leopoldo López. Como diz José Miguel Vivanco, da respeitada ONG Human Rights Watch, "até o momento, as autoridades não apresentaram nenhuma prova séria para sustentar as acusações contra Leopoldo López, apenas insultos e teorias de complô".
Não que a oposição faça muito diferente. O quadro no país é bem descrito por Rogélio Núñez, do site Infolatam, para quem "chavistas e antichavistas foram escalando seu ódio mútuo, a ponto de o rival se converter em inimigo irreconciliável, não em alternativa de governo".
O problema é que quem tem a força é o governo, que pode transformar seu ódio em perseguição.
Acusar López pelas mortes nas manifestações da semana passada é ignorar as evidências de que pelo menos duas delas podem ter sido obra de agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência, conforme vídeos divulgados pelo jornal "Últimas Notícias".
Não por acaso, o chefe do Sebin, general Manuel Bernal, acaba de ser destituído.
Uma discreta gestão brasileira deveria incluir um palpite forte: a dramática situação econômica na Venezuela só começará a ser corrigida se o governo dialogar com o setor privado. Afinal, este ainda é majoritário (responde por 58,2% do Produto Interno Bruto, segundo dados de 2012), apesar do avanço do Estado nos anos Chávez.
Suspeito que nem o governo cubano, que pôs em marcha reformas capitalistas, recomendaria a seu amigo Maduro que adote o caminho oposto e estatize o que resta do setor privado. Só desvairados poderiam supor que o socialismo do século 21, se imitasse o do século 20, chegaria a resultados diferentes.
Fracassaria do mesmo modo.
Se o governo brasileiro quer ajudar Maduro, melhor dizer-lhe verdades óbvias.
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