Por Diego Braga Norte, de Caracas
Com crise institucional e econômica no país, a parcela da população
mais fiel ao chavismo se cansou. Protestos antigoverno já agitam bairros
pobres e favelas...
O futuro político do presidente venezuelano Nicolás Maduro é uma
incógnita. Se depender do seu presente, no entanto, ele não vai muito
longe. Após treze dias de protestos ininterruptos nas ruas de Caracas e
de outras cidades, as manifestações já saíram do controle, aparecendo e
se dispersando de forma espontânea por todo o país. E engana-se quem
pensa que os protestos estão concentrados apenas em bairros de classe
média. Eles também chegaram às periferias. A população mais carente não
aguenta mais o desabastecimento que toma conta do país, a inflação
superior a 56% ao ano que consome seus parcos rendimentos e a violência
altíssima – em 2013, Venezuela registrou mais de 24.000 homicídios,
segundo a ONG Observatório Venezuelano da Violência (OVV). O combalido
Iraque, no mesmo período, teve cerca de 9.000 mortes violentas.
Hoje na Venezuela – como acontece praticamente em todos os países em
crise – as coisas não são tão simples quanto aparentam. Nem todos os
pobres são governistas, aqui chamados de ‘oficialistas’, e nem todas as
pessoas de classe média ou ricas são opositoras. O espectro ideológico
da população tem diversas nuances e não é definido apenas pela classe
social. "As populações mais pobres apoiavam Chávez porque de alguma
maneira se sentiam protegidas. À época do Chávez, o governo ainda tinha
dinheiro para investir em políticas sociais. Começaram a chegar médicos e
professores nas favelas. Agora, além de não ter mais isso, começa a
faltar comida", diz José Carrasquero, professor de ciência política das
Universidades Católica e Simón Bolívar.
Se os meios de comunicação oficiais escondem as manifestações e
insistem na teoria de golpe de Estado coordenado por fascistas, as
mídias sociais não os deixam mentir: há registros de protestos em
favelas, chamadas pelos venezuelanos de "barrios". Há fotos e relatos de
manifestações em Santa Fé, Las Minas de Baruta e em outras periferias
de Caracas. Fontes de dentro do governo – que pediram para permanecer
anônimas – confirmaram à BBC que Miraflores se preocupa com a ocorrência
de protestos em áreas consideradas como bastiões do chavismo, como em
El Valle ou Petare – esta última, uma das maiores favelas da América
Latina, com mais de 1 milhão de moradores. "O mais curioso é que essa
população não culpa o processo político e continua sendo chavista. Eles
culpam diretamente o Maduro", diz o analista. "A imagem de Maduro entre
algumas pessoas mais humildes teve uma deterioração importante e,
especulo eu, irreversível", continua.
Crise institucional – A inaptidão – ou a má-fé – da administração
Maduro é tamanha que acaba afetando o funcionamento dos outros dois
poderes. No Judiciário, das 32 cadeiras para juízes do Tribunal Superior
de Justiça – a corte máxima do país – dez estão vagas por causa de
aposentadorias. Com uma bancada atual compondo uma maioria favorável ao
seu governo, Maduro não se mexe para nomear outros nomes que possam lhe
causar problemas. O cargo de Controlador Geral da República –
equivalente ao nosso Procurador-geral da União – está vago desde 20 de
junho de 2011, quando o então ocupante titular, Clodosbaldo Russián,
faleceu. Desde então o cargo fiscalizador mais importante da Venezuela,
que deveria ser totalmente independente do Executivo, está nas mãos de
uma suplente temporária, Adelina González, figura próxima a Maduro, que
não cria problemas para seu governo.
O Legislativo trabalha como um apêndice do Executivo, totalmente
desnecessário depois da aprovação, em novembro, da Lei Habilitante. Os
quatro artigos que deveriam ser usados apenas em condições de
excepcionalidade, como durante uma guerra, por exemplo, estabelecem que o
presidente pode editar decretos-lei em áreas onde tradicionalmente
caberia à Assembleia. E para conseguir esse cheque em branco, a lei que
lhe confere superpoderes só foi aprovada depois da expulsão da deputada
opositora María Aranguren, cassada por acusações até agora não provadas
de peculato e conspiração. Como seu suplente votou com o governo, a lei
foi aprovada por 99 contra 60, na conta exata dos votos necessários.
Futuro de Maduro – Dificilmente Maduro vai pedir renúncia. Tampouco é
provável que o Congresso controlado pelos governistas aprove um
referendo para o povo decidir o futuro do presidente. Se a força das
ruas ainda não é suficiente para fazer o governo sair da inanição,
alguns políticos governistas já começam a demonstram insatisfação
pública. No caso mais emblemático, o governador do estado de Táchira,
José Gregorio Vielma Mora, tornou-se uma voz crítica dentro do partido
governista PSUV. "Eu sou contra acabar com um protesto pacífico usando
armas", disse o governador a uma rádio de Caracas. "Ninguém está
autorizado a usar a violência", completou.
Localizado nos Andes venezuelanos, no noroeste do país, Táchira foi o
berço das manifestações. Após um caso de estupro dentro de uma
universidade, estudantes protestaram contra a violência e oito deles
foram presos e confinados em prisões de segurança máxima, sem acusação
formal. A prisão arbitrária foi o estopim para novos protestos
estudantis que tomaram conta do país a partir do último dia 12 de
fevereiro – Dia da Juventude na Venezuela. "Vielma Mora é ex-militar
respeitado nas casernas e esteve envolvido na tentativa do golpe de 4 de
fevereiro de 1992, ao lado de Chávez [quando militares tentaram tomar o
poder na Venezuela]. Ele se considera uma das pessoas que originaram
esse processo político que vigora hoje. Seu descontentamento é muito
significativo e imprevisível”, afirma Carrasquero. Assim como é
imprevisível o futuro da Venezuela.
Fonte: Revista Veja -
0 comments:
Postar um comentário