Jornalista Andrade Junior

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Retratação - LUIS FERNANDO VERISSIMO


O GLOBO -
‘Não tente transferir sua culpa. O desenho é seu. É a minha cara falsificada que está por aí, colada em tudo que é poste da cidade’



Tudo é vaidade.

Tem aquela do cara que invade uma delegacia de polícia e exige falar com o desenhista.

— Com quem?

— Com o desenhista. O que faz retratos falados. Quero falar com ele agora!

— Espera aí. Você não pode entrar aqui assim e...

— Não interessa. Quero falar, imediatamente, com quem fez isto.

E o homem mostra um cartaz em que aparece o desenho de um rosto e escrito, em cima, “Procura-se”. Insiste:

— Se ele não aparecer logo, eu quebro esta joça!

— Calma, cidadão. Calma.

Tantas o homem faz que o desenhista é localizado e trazido à sua presença. O homem mostra o cartaz e pergunta:

— Isto se parece comigo?

— Isto se parece comigo?

— Bom, eu...

— Não. Me diga. Esta cara se parece vagamente com a minha?

— É que eu...

— Olha o meu nariz e olha o nariz do desenho. Desde quando eu tenho um nariz assim? E a boca?

— É que eu me guiei pela descrição da testemunha...

— Não. Não tente transferir sua culpa. O desenho é seu. É a minha cara falsificada que está por aí, colada em tudo que é poste da cidade. E eu exijo retratação. Ou, no caso, rerretratação.

Um policial de plantão interfere:

— Você está preso.

— Eu sei — diz o homem. E, para o desenhista:

— Assim você terá o tempo que quiser para refazer meu retrato, usando o original como modelo.

— Está bem — diz o desenhista.

— Certo, desta vez!

PAPO VOVÔ

Às vezes sou recrutado para o papel de príncipe encantado, nos brinquedos da Lucinda, nossa neta de 5 anos (“e meio”, como ela faz questão de dizer). No outro dia cumpri minha missão e ressuscitei a princesa envenenada com um beijo. Mas não consegui levá-la para o meu castelo, ela preferiu ficar na rua. Agora essa: princesas republicanas.

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