Há diversas razões para duvidar do acerto da medida aprovada pelos parlamentares uruguaios. Sua eficácia no combate ao tráfico, por exemplo, é bem questionável
No primeiro semestre de 2014, deve entrar em vigor o sistema de venda legalizada da maconha no Uruguai – a legalização foi aprovada pelo Senado do país em 11 de dezembro, e a sanção do presidente José Mujica é praticamente certa, apesar da oposição da maioria da população uruguaia e das críticas da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife), da ONU. A medida é louvada por setores ditos “progressistas” como um grande avanço. No entanto, há diversas razões para questionar o acerto da legalização da maconha.
Segundo a legislação, cada uruguaio ou estrangeiro residente no país, maior de 18 anos, terá de se registrar para adquirir em farmácias um máximo de 40 gramas mensais da droga (o equivalente a oito cigarros de maconha). Além disso, cada pessoa poderá plantar seis pés de cannabis em casa, para uso próprio. O restante da produção terá controle estatal, por meio do Instituto de Regulação e Controle da Cannabis, órgão vinculado ao Ministério da Saúde Pública.
Os danos causados pela maconha no organismo, bem como seu poder viciante, estão fartamente documentados e não é preciso recordá-los neste espaço – ontem mesmo, na Gazeta do Povo, o articulista Carlos Alberto Di Franco recordou algumas das consequências do uso desta droga, que até pode não ser tão nociva quanto outros entorpecentes, mas nem por isso deixa de ter efeitos deletérios no corpo humano. A própria legislação uruguaia reconhece implicitamente esses danos ao limitar a quantidade que uma pessoa pode adquirir nas farmácias. Se a maconha fosse um produto como outro qualquer, seria preciso estabelecer limites legais? A droga degrada o ser humano; ao permitir que seus cidadãos a usem com amparo legal, o governo uruguaio está sendo, no mínimo, irresponsável.
Mesmo de um ponto de vista puramente pragmático, a legislação tem tudo para se mostrar um fracasso. Um dos objetivos alegados pelos defensores da lei é o de coibir o tráfico e a violência ligada a ele. No entanto, a quem o uruguaio recorrerá se quiser consumir mais que os 40 gramas mensais previstos pela lei? Ou se quiser usar qualquer outra droga? O tráfico seguirá existindo para suprir essa demanda, e com ele continuará a haver violência. A única maneira de, pragmaticamente, eliminar o tráfico seria a legalização de todas as drogas com direito a consumo ilimitado, o que, como se pode imaginar, causaria gravíssimos danos sociais.
Além disso, outro argumento de teor pragmático, o de que é inevitável que as pessoas consumam drogas, e por isso seria melhor que elas a adquirissem do Estado em vez de comprar dos traficantes, também não se sustenta. Pensar desta forma significa dar um aval, ainda que inconsciente, a diversos outros comportamentos degradantes – ou mesmo criminosos – que a lei ou o aparato policial não sejam capazes de conter. Frequentemente se diz que “a guerra contra as drogas está falhando” como argumento pela legalização das drogas – o que, em outras palavras, é um apelo à rendição vergonhosa.
Parte substancial da legislação de qualquer país tem a função imprescindível de traçar uma linha entre os comportamentos que garantem uma vida sadia em sociedade – pensemos, por exemplo, nas leis penais, nos textos que regulam o funcionamento das instituições democráticas e nos mecanismos de resolução de conflitos – e os comportamentos que têm consequências graves não só para a sociedade, mas também para o indivíduo. Ao legalizar o consumo de maconha, como está fazendo agora o Uruguai e se quer fazer em tantos outros países, indiretamente o Estado envia a mensagem de que esse comportamento é aceitável (ou, em última consequência, bom). Os resultados podem não aparecer no curto prazo, mas no longo prazo esta é uma receita certa para uma sociedade em apuros.
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