Resultou em pouquíssima coisa o evento mais comentado deste início de verão no Rio de Janeiro.
Contando com cerca de 8.000 adesões nas redes sociais e muito destaque na imprensa local, o "toplessaço" que se programara para a manhã do último sábado, na praia de Ipanema, reuniu no máximo 200 pessoas.
O contingente se dividiu entre as raras mulheres que se dispuseram a tirar a parte de cima do biquíni e um grupo mais robusto de curiosos em volta das manifestantes.
A qualificação de "manifestantes" não é descabida no contexto. O propósito das organizadoras era protestar contra a atitude da Polícia Militar do Rio, que no mês passado coagiu uma atriz a vestir a parte de cima do biquíni. Cristina Flores fazia uma sessão de fotos com os seios descobertos, a fim de divulgar um espetáculo teatral.
O movimento de revolta acabou em fiasco, mas factoides desse tipo não deixam de ter sua significação. Para um país que orgulha-se de sua tolerância e liberalidade (e cujas contribuições ao universo da moda incluem a criação do famoso modelo fio dental), chega a ser um mistério a restrição que, de forma quase unânime, se aplica ao topless --prática há muito adotada em diversas praias europeias.
Talvez seja tudo questão de linguagem, ou, mais propriamente, de estrutura cultural. É como se, a cada regra que se flexibiliza, outra tenha de reforçar-se com maior rigor, de modo que o equilíbrio entre ordem e ruptura se preserve.
Ao mesmo tempo, é possível que o "toplessaço" tenha infringido outra norma implícita da cultura brasileira. Sua mensagem é semelhante à da Marcha das Vadias: trata-se de confrontar, pela exibição do corpo, o machismo dos que veem nisso um convite à grosseria, ao abuso, ao ataque brutal.
Mas a Marcha das Vadias tinha um componente celebratório e carnavalesco que provavelmente facilitou a adesão. Em tempos de tolerância zero, o "toplessaço" centrou-se na crítica à repressão policial, revestindo-se de uma pugnacidade militante porventura excessiva para a proposta apresentada.
Também marcou mais uma vez a diferença entre apoiar uma causa pela internet e passar ao ativismo no mundo real.
De resto, o sucesso ou o fracasso de mobilizações desse gênero haverá de ter sempre sua parte de enigma, de mistério; e, numa época em que tudo se espiona e se revela, o intransparente e o encoberto por vezes se impõem com mais força.
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