Matéria estampada no Estado de segunda-feira revela que a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Ministério Público (MP) - neste caso o do Estado do Tocantins - estão apertando o cerco sobre prefeituras que têm destinado a tarefas de interesse privado o uso de retroescavadeiras e motoniveladoras recebidas em doação do governo federal, no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC 2).
De fato, diante de escândalos milionários como mensalões de todos os matizes partidários, parece coisa pouca o prefeito de uma pequena comuna perdida nos grotões deste país continental fazer um agrado a um mandachuva local, gentilmente cedendo as máquinas do PAC 2 para dar um jeito nas estradinhas da fazenda da grande figura. Ou mesmo usar essas máquinas para reformar seu próprio posto de gasolina.
Mas a tendência a imaginar que pequenos malfeitos são toleráveis e não merecem maior atenção porque "fazem parte do jogo" ou "os fins justificam os meios" é desde logo um grave indício do alto grau de deterioração dos valores éticos não apenas entre os gestores da coisa pública, mas, é a triste realidade, numa sociedade adestrada a se realizar tão apenas com aquilo que o dinheiro pode comprar.
Além disso - o que é absolutamente relevante em termos de gestão pública -, os desvios descobertos pela fiscalização da CGU e do MP levantam uma questão muito séria sobre o programa de distribuição de máquinas como retroescavadeiras, motoniveladoras e caminhões basculantes a municípios carentes do interior do País. É quase surreal a conclusão a que chega o prefeito do município catarinense de Barra Velha: "Cada máquina representa um custo. O governo federal ajudou muito dando a máquina, mas é um gasto com o qual o município não poderia arcar".
O prefeito de Caridade do Piauí, José Lopes Filho, igualmente contemplado com a doação do PAC 2, bate na mesma tecla: "Gastamos muito com o conserto das máquinas, com o operador e o combustível". Quer dizer: os prefeitos não recusam, é claro, o presente do governo federal. Mas gostariam de receber também a verba correspondente ao trabalho de manutenção desse equipamento.
Não se trata de saber quem é que tem razão, se o programa federal deveria ou não incluir o financiamento da manutenção do equipamento doado às prefeituras. Trata-se de constatar que, simplesmente, o programa funciona mal; foi mal planejado por não levar em conta se prefeituras que sobrevivem quase que exclusivamente de repasses federais e estaduais são capazes ou não de arcar com os custos de manutenção de um equipamento notoriamente caro. O governo parece entender que é suficiente promover a festa de doação, com palanque, banda de música e rojões, além de estampar, com grande visibilidade, a assinatura do autor da bondade em cada máquina doada: PAC 2.
Outra questão importante que esse assunto suscita é o desequilíbrio do sistema federativo brasileiro, que tende a concentrar cada vez mais recursos, e poder, no nível federal, relegando de modo especial as administrações da maioria esmagadora dos municípios a depender da boa vontade e das conveniências políticas do poder central.
Desde seu lançamento, em 2011, esse programa foi concebido e executado na medida certa para render dividendos eleitorais. Já distribuiu, a um custo de R$ 2,16 bilhões, 9.110 máquinas a municípios com até 50 mil habitantes que nele se inscreveram. Restam apenas pouco mais de 100 comunas a serem atendidas. E todas o serão, com certeza, antes de outubro próximo.
A incongruência desse programa é típica das propostas populistas de um governo que se preocupa muito mais com o anúncio dos seus feitos do que com seus efeitos práticos. Diante de tão assombrosa falta de espírito público, pode parecer realmente desimportante que o presente de grego de máquinas para municípios que não têm capacidade financeira para operá-las resulte também na velha e boa corrupção que tão valorosos serviços tem prestado a quem ambiciona se perpetuar no poder.
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