ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK O GLOBO/ESTADÃO
É bem verdade que o tema ficara espinhoso. Já em dezembro, parecia claro que a aprovação da reforma se tornara difícil. Mas o Planalto fez o que pôde para manter viva a perspectiva de aprovação, dando amplo uso ao tema para ocupar o noticiário de janeiro.
No fim do recesso parlamentar, contudo, o governo já não escondia sua apreensão com o ônus político que poderia advir do desfecho decepcionante da longa batalha pela aprovação da reforma. O desafio passara a ser evitar que o abandono da batalha tivesse conotação de derrota. Ressabiado, o presidente da Câmara externava abertamente sua irritação com a possibilidade de que Temer ficasse tentado a se esquecer dos longos meses de aperto por que teve de passar, na esteira do 17 de maio, e quisesse pespegar toda a culpa pelo fiasco no Congresso.
É até possível que, se Joesley Batista tivesse sido barrado na portaria do Jaburu naquela noite fatídica, a reforma já estivesse aprovada desde meados do ano passado. Nunca saberemos. É também verdade que, no final do ano, quando Temer afinal se livrou da última denúncia, o governo conseguiu afinal acertar seu discurso sobre a reforma, ao passar a bater na tecla certa da eliminação de privilégios. Mas, àquela altura, a fragilização de Temer já tinha comprometido em larga medida sua ascendência sobre a bancada governista.
Não eram infundadas, portanto, as preocupações do Planalto com o ônus político do abandono da batalha. O que surpreendeu foi a forma peculiar com que Temer, afinal, tentou se desvencilhar desse ônus, apostando numa cambalhota política de alto risco que, num passe de mágica, supostamente lhe permitiria transmutar-se, incólume, de patrono da reestruturação da Previdência em paladino da segurança pública.
Não é que as duas coisas não tenham relação. Têm, e muita. A deterioração da segurança pública vem sendo agravada, em grande medida, pela crescente penúria fiscal dos Estados, engendrada, em boa parte, pelo crescimento insustentável de suas folhas de inativos. Não haverá solução estrutural para a crise da segurança pública sem o alívio fiscal que a reforma da Previdência poderá propiciar aos Estados.
O governo poderia ter feito bom uso do agravamento da crise de segurança no Rio de Janeiro para dar ao Congresso o senso de urgência que faltava para aprovar a reforma da Previdência. Caso não conseguisse, pelo menos teria feito da questão previdenciária o tema central da campanha eleitoral deste ano.
Mas o Planalto não quis incorrer no ônus político de uma possível derrota no Congresso. Preferiu jogar a toalha, agarrando-se à absurda alegação de que a necessidade de intervenção federal imediata no Rio de Janeiro inviabilizara a aprovação da reforma na última semana de fevereiro. “O governo tomou a decisão de fazer da guerra ao banditismo sua prioridade”, foi o “esclarecimento” afinal dado, no início desta semana, por Carlos Marun, a quem Temer entregara, em dezembro, a Secretaria de Governo da Presidência da República, para que mobilizasse a maioria requerida para a aprovação da reforma no Congresso.
Nada disso implica subestimar o descalabro da segurança pública no Rio de Janeiro ou negar a necessidade de intervenção federal. O que é deplorável é que Temer tenha precipitado uma decisão que poderia ter sido tomada 10 dias depois, para tentar se esquivar do ônus político de um desfecho desfavorável da batalha pela reforma da Previdência, de olho no seu impensado projeto de reeleição.
* ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO
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