, por Vinícius Leal Cavalleiro O Globo
Para a realização dos seus fins, o Poder Público deve cobrar tributos.
Não há dúvidas quanto a isso. Afinal, sem arrecadação, não é possível
custear as estruturas estatais e prestar serviços públicos à população.
Apesar da singeleza dessa equação, os tributos não podem ser ampliados
em demasia, sob pena de estrangular a circulação econômica, com reflexos
diretos no ciclo de produção, a começar pela oferta de empregos, sem
esquecermos o achatamento do poder de compra do trabalhador, que “ganha,
mas não leva”. No Brasil, qualquer trabalhador que receba mais de R$
3.751,06 mensais tem descontados cerca de 40% de sua remuneração apenas
com imposto de renda e contribuição previdenciária, isso sem contar os
tributos que paga indiretamente nos atos mais comezinhos do seu dia a
dia, como comprar um sorvete ou um café.
A tributação, portanto, deve observar a justa medida. Em nosso modelo
fiscal, vez ou outra é realizada uma “reforma tributária”. Nossas
reformas são semelhantes àquelas que uma criança realiza no seu nariz de
barro: mexe para lá, mexe para cá, e ele continua torto. E por que
nossa reforma não reforma como deveria? A razão é simples, pouco nos
preocupamos com as causas do déficit, que exigem uma gestão mais
eficiente. Em verdade, parece que só conseguimos enxergar o outro
extremo, diminuindo a oferta de serviços, comprimindo direitos e
ampliando a carga tributária.
O almejado equilíbrio das contas públicas não é alcançado somente com
medidas drásticas e austeras, impostas unilateralmente a um setor social
ou econômico. É preciso alcançar a causa do problema, ainda que, para
tanto, seja necessário esperar mais que a duração de um mandato ou uma
legislatura. A não ser assim, crises sociais e financeiras como a atual
continuarão a fazer parte da nossa rotina.
No plano previdenciário, por exemplo, qual seria a justa tarifação do
empregador e do empregado? Há ou não déficit financeiro e atuarial
previdenciário? Qual é a real causa desse eventual déficit? Será que os
inúmeros casos de anistia e de perdão de dívidas não contribuem para o
anunciado rombo? Ou tudo isso decorre exclusivamente do próprio sistema,
do aumento da expectativa de vida do trabalhador, da aposentadoria
precoce de certos profissionais etc.
Se a nossa carga tributária é tão elevada, por que alguns Estados chegaram ao extremo de afirmar que estavam “falidos”?
O Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, foi o primeiro a solicitar a
inclusão no recém-criado Regime Especial de Recuperação Fiscal. Uma das
causas dessa situação foi a queda na arrecadação. Mas, ao contrário do
que se poderia imaginar, ele está entre os três entes da federação que
possuem a maior carga tributária de ICMS.
Esse paradoxo só pode ser explicado se analisarmos outros dados, quase
nunca tornados públicos, a respeito do crescimento do endividamento
público estadual nos últimos anos.
Não há dúvida de que uma das principais causas do déficit reside na
renúncia de receita, que se apresenta na realidade sob variadas
roupagens de ordem contábil e alcança a cifra de R$ 9 bilhões ao ano.
Mas, como a sua supressão ou diminuição é vista como verdadeira heresia,
a solução, sempre e sempre, é a compressão dos serviços oferecidos,
sobrecarregando a todos em prol do grupo beneficiado com a renúncia de
receita. Algo parecido com a individualização dos lucros e a
socialização dos prejuízos.
Não é por outra razão que o plano de recuperação fiscal pensado para o
Rio de Janeiro vedou a concessão de novos incentivos fiscais, além da
diminuição dos já existentes.
Também vedou a contração de novos empréstimos ou a realização de outras operações de crédito que superem o limite estabelecido.
Resta-nos torcer para que tais medidas surtam o efeito esperado, o
reequilíbrio das contas públicas. Torcida à parte, é mais que evidente
que a solução para os males estruturais deve passar obrigatoriamente por
uma discussão técnica e transparente a respeito de suas reais causas.
Vinícius
Leal Cavalleiro é promotor de Justiça do Ministério Público do Rio e
coordenador do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Sonegação
Fiscal e aos ilícitos contra a Ordem Tributária
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