EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
Se há algo que pode servir de consolo, pelo menos há uma vacina para a febre amarela, ao contrário das doenças que o Aedes aegypti vem espalhando pelo país há alguns anos. Mas nossa dificuldade de vencer a luta contra os mosquitos é um sintoma grave de outro mal: nosso subdesenvolvimento – obra de séculos, que não se improvisa, na célebre frase de Nelson Rodrigues. O “país do futuro”, uma das dez maiores economias do mundo, com metrópoles que exercem papel de protagonismo na América Latina, convive com taxas inaceitáveis de contaminação por doenças das quais o país já tinha se livrado no passado.
Os mosquitos prosperam graças à ineficiência estatal, ao desleixo da população e ao desequilíbrio ambiental
O Aedes aegypti – transmissor da dengue, da zika, do chikungunya e da versão urbana da febre amarela – foi considerado erradicado no Brasil em 1955, após décadas de campanhas iniciadas pelo sanitarista Oswaldo Cruz, no início do século passado. Mas o mosquito, que na época colonial tinha vindo da África, nos navios negreiros, ressurgiu como passageiro indesejado dos cargueiros asiáticos na década de 70 e, desde então, vem levando a melhor, contando com a ineficiência estatal e o desleixo da população, que também tem sua parte de culpa quando não adota comportamentos que dificultam a proliferação do mosquito, apesar de ter hoje muito mais informação que na época de Oswaldo Cruz.
E a volta da febre amarela era um desastre anunciado. Desde 2014 o Ministério da Saúde já registrava mortes de macacos contaminados pelo vírus no Centro-Oeste do país e, mais tarde, no Sudeste – um indício de que em breve a doença voltaria a ser mais frequente entre humanos. Como se pode ver desde o surto de 2017, a resposta das autoridades não foi rápida nem intensa o suficiente para proteger a população.
Mais recentemente, outro fator tem jogado a favor dos mosquitos e das doenças por eles transmitidas: o desequilíbrio ambiental, que destrói o habitat natural de outras espécies que também desenvolvem a febre amarela, como os macacos. A bióloga Márcia Chame, da Fiocruz, ainda levantou outra hipótese preocupante: o desastre de Mariana, com o rompimento da barragem da Samarco, em 2015, provocou mudanças bruscas e drásticas que enfraqueceram a população local de macacos, tornando-os mais suscetíveis à febre amarela e, consequentemente, aumentando o risco de contaminação de humanos que visitam regiões de mata e acabam picados por mosquitos que adquiriram o vírus sugando o sangue de outros animais.
Até o momento, todos os casos da doença são do tipo silvestre, em que mosquitos Haemagogus e Sabethes adquirem o vírus ao picar macacos e o transmitem quanto atacam pessoas que circulam em áreas de mata. Na forma urbana, o Aedes transmite o vírus de uma pessoa para outra, como faz com a dengue, por exemplo. Esse tipo de contaminação não é registrado no país desde 1942, mas, se o país seguir neste ritmo, não seria tão irreal assim imaginar que também essa marca será derrubada, escancarando as nossas falhas individuais e coletivas.
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