Carlos Alberto Sardenberg O Globo
É um claro sinal de desespero essa radicalização do PT à medida que se
aproxima o julgamento de Lula no Tribunal Regional Federal de Porto
Alegre. Há um componente de agitação e propaganda nesse movimento — uma
última tentativa de intimidar o Judiciário — mas tem aí uma questão
pessoal.
Trata-se do futuro profissional, do meio de vida mesmo, de grande parte
dos quadros do PT. Estamos falando daqueles que só trabalham em três
ambientes: no próprio partido, nos sindicatos e nos governos. São
pessoas que praticamente largaram suas profissões para se dedicar
inteiramente à atividade política.
Lula, claro, é o exemplo maior. Mas há outros milhares que descreveram a
mesma trajetória de vida. São operários, advogados, médicos,
engenheiros, técnicos de diversas áreas, jornalistas, que há muitos anos
não têm qualquer atividade no setor privado da economia.
Podem reparar nos currículos. O sujeito é membro do partido, diretor do
sindicato, depois aparece como secretário de alguma prefeitura, vai para
um DAS no governo federal, assume um posto em governo estadual, uma
bela assessoria em estatal — e assim vai, de administração em
administração, de cidade em cidade, sempre acompanhando as vitórias do
PT.
Os funcionários públicos concursados, como os professores, estão em
parte protegidos pelas generosas regras do setor, entre as quais a
estabilidade. O PT perde a eleição, o sujeito perde o cargo no governo e
volta para a repartição. Mas como um simples peão.
Tem um garantido mensal, mas perde gratificações, DAS, jetons por participação em conselhos de estatais, perde poder.
Eis um ponto pouco comentado, mas que está nas preocupações internas dos militantes.
Isso, aliás, explica grande parte dessa adesão cega a Lula. Tem o fervor
político, claro, mas, convenhamos, é coisa de poucos. Os outros,
inclusive por terem participado de campanhas e governos, sabem que é
tudo verdade: caixa dois, desvio de dinheiro para o partido e para
bolsos pessoais. Sabem que Lula se beneficiou pessoalmente desses
esquemas — e sabem que a Lava-Jato descobriu tudo isso, com provas, sim
senhor. Os que não sabiam e ficaram chocados já deixaram o partido.
Os demais lutam pela sobrevivência. Já houve um primeiro desmoronamento
nas eleições municipais de 2016. Milhares de cargos foram perdidos pelo
PT e associados. Um segundo cataclismo, nas eleições deste ano, seria
devastador.
Daí o desespero — condição que frequentemente leva a decisões equivocadas.
Ameaçar o Judiciário, por exemplo, é um baita erro. Mas o que fazer
quando se sabe que não há saída jurídica? Na verdade, há uma alternativa
— a delação premiada. Lógico: o sujeito é apanhado, sabe que a
Lava-Jato tem provas, faz o quê? Colaboração.
Como Lula não pode fazer isso, sobra o quê? Ir para o confronto, o desafio ao Judiciário, a ameaça de incendiar as ruas.
Esse confronto é politicamente ruim. Só agrada mesmo à militância cega.
Assusta a maior parte da sociedade com a volta do PT radical, daquele
Lula antes de fazer a barba, aparar o cabelo, vestir um terno Ricardo de
Almeida com gravata Hermès e falar manso.
Quase um suicídio?
Aqui entra outra, digamos, convicção de Lula e seus mais próximos
colaboradores. A de que ele consegue mudar o discurso a qualquer
momento, de modo convincente. O radicalismo pré-julgamento seria só uma
fase. Depois, na hipótese improvável da absolvição, volta-se para o paz e
amor.
Na hipótese provável da condenação, vem agitação, mas a aposta maior
será ganhar tempo com os recursos. Não será surpresa se aparecerem nessa
fase declarações elogiosas aos tribunais superiores.
Veremos.
De todo modo, o que importa para Lula e seus militantes é salvar algum
naco de poder. O que explica, por exemplo, as negociações partidárias
nos estados com os golpistas do PMDB. Vale tudo pelos cargos e para
estar no governo, qualquer governo.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
extraídaderota2014blogspot
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