OTÁVIO FRIAS FILHO FOLHA DE SP
As circunstâncias do caso Lula parecem talhadas para a controvérsia. Ninguém dotado de discernimento consegue acreditar que o colossal esquema de corrupção instalado na Petrobras durante os governos do petista e de sua herdeira, no qual aparecem incriminados os principais de seus auxiliares e do qual ele próprio, Lula, era o beneficiário em última instância, pudesse estar alheio a seu controle, que dirá a seu conhecimento.
A facilidade com que os filhos de Lula levantavam investimentos vultosos; a transferência para o ex-presidente de dezenas de milhões de reais a título de remuneração por conferências ministradas; a oferta de mimos como o apartamento de Guarujá e o sítio em Atibaia por parte de empresas cujos negócios o presidente catapultava —tudo isso é mostra, no mínimo, de negligência, exercício abusivo de cargo público, relações promíscuas com empresas que dependem do Estado.
Por outro lado, há algo de modesto nos bens transferidos a Lula e de mesquinho na escolástica judiciária do debate em torno deles. Os juízes decidiram, presume-se, conforme seu entendimento das leis, mas isso não afasta a percepção política de que, comparado aos magnatas da corrupção descobertos pela Lava Jato, o ex-presidente foi comedido.
E faz sentido um aspecto da paranoia petista em torno do crepúsculo do líder: a exasperação com a demora nos processos contra outros figurões políticos, do PMDB e do PSDB, beneficiados pela lentidão do foro especial.
Da mesma forma, se não passa de exagero pensar que todo o Poder Judiciário foi tomado de sanha antipetista, é notório que havia um elemento corporativo atrelado à decisão, já que revogar a sentença-símbolo do juiz Sergio Moro teria sido equivalente a desdizer toda a Operação Lava Jato e desautorizar seus heróis.
Parece sensato supor que a estratégia da vitimização de Lula (hoje líder nas pesquisas com pouco mais de um terço das intenções) garantirá ao partido colocar seu sucedâneo no segundo turno, até porque, com a proliferação de candidatos, tende a cair a nota de corte para se tornar um dos dois finalistas.
Mas a esquerda parece isolada; seus intelectuais e militantes se obrigaram a acreditar em fantasmas (o "golpe" de 16, a conspiração do Judiciário, Lula como prisioneiro político de uma democracia de fachada etc.) que os levam à negação da realidade.
Com Lula fora de cena, mas atuante no pano de fundo, talvez seja menos crispado um processo eleitoral que se previa belicoso. A melhora que estará em curso na economia deve disseminar um fator de bem-estar relativo na população. São efeitos que desfavorecem a candidatura de um ultraconservador como Jair Bolsonaro (PSC-RJ, com pouco menos de 20% das intenções), cuja ascensão costuma acontecer em cenários de crise econômica e polarização aguda, o que não está no horizonte.
Talvez seja ocasião de ressaltar que, do ponto de vista da democracia, é preferível que as correntes mais exaltadas se organizem e concorram como as demais a eleições periódicas, disputando parcelas do poder de acordo com as normas, em vez de tramar contra o regime democrático e procurar sabotá-lo por métodos violentos.
O candidato que galvaniza nesta fase o establishment (os economistas liberais, a direita moderada, os conservadores civilizados) é o governador tucano de São Paulo, Geraldo Alckmin. Acreditam que a federação de centro-direita que administra o país há dois anos cedo ou tarde virá por gravidade para sua candidatura um tanto anódina, e que o eleitorado, cansado de tantos fogos de artifício, fará uma escolha moderada e sóbria.
Caso Alckmin continue a exibir números anêmicos nas pesquisas, no entanto, nada impede que esse bloco liberal-conservador o abandone, optando pela candidatura de Marina Silva (Rede) ou de algum outsider conhecido do público e lançado diretamente ao centro da arena. A política, porém, é uma profissão como qualquer outra, e são raros, apesar dos estranhos tempos que correm, os amadores que não sucumbem em seus pântanos.
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