Jornalista Andrade Junior

domingo, 14 de janeiro de 2018

"Medo, esperança e rancor",

por Ana Maria Machado O Globo

Apesar do desalento diante de tantas preocupações e incertezas, será que vale a pena apostar na possibilidade de haver algum jeito? Aliás, incerteza foi uma das palavras dominantes nesta virada de ano. A começar pela insegurança econômica, sem se saber se essa ligeira melhora no quadro é só um voo de galinha, ou se os índices positivos vão se manter o suficiente para haver queda do desemprego e retomada de um desenvolvimento que melhore a vida de todos e permita reduzir a desigualdade.

Mas queremos todos ter esperança. Estamos precisando muito dela. Sua perda recente ainda causa dor.

Em 2002, quando Lula se elegeu pela primeira vez numa eleição emocionante, o mantra era que a esperança venceu o medo.

Em 2005, quando começou a se revelar o mensalão — de cuja verdadeira extensão o país só iria tomar conhecimento detalhado em 2007, com o julgamento no STF — o choque da desilusão ainda era fraco diante da força da esperança acumulada. Permitia dúvidas. E durante algum tempo, foi possível dar um crédito e aceitar diferentes versões. A de que tudo era mentira, intriga da oposição. A de que sempre foi assim no Brasil. A de que o presidente tinha sido traído, vítima apunhalada pelas costas por companheiros em quem confiara.

A credulidade dos eleitores garantiu sua reeleição e levou o poste Dilma ao direito de ser chamada de presidenta. Incluindo novas emoções, a alimentar novas esperanças. Houve quem se comovesse com o fato de ser a primeira mulher a chegar ao cargo. De minha parte, lembro-me de que em sua posse tive nó na garganta com dois aspectos simbólicos, condensados em imagens solenes. A primeira era a da ex-presa, torturada pelo governo militar, que agora ia de militante a comandante em chefe das forças armadas, passando em revista tropas que não mais a prendiam, mas lhe apresentavam armas em saudação. A segunda foi quando o presidente do Uruguai, José Mujica, a abraçou, num enlace que reunia nossa ex-guerrilheira a um ex-Tupamaro. Lutadores pela liberdade chegavam ao poder.

Depois veio a disputa de novo mandato. O processo do mensalão já escancarara os meandros e antros de Brasília. O país já não tinha desculpas para ignorar onde se metera. 

Estava transparente. Não dava para fingir que não víamos aquilo que José Padilha batizaria de “o mecanismo”. Já sabíamos como era a linha de ação que estava no poder, e como nele pretendia se manter. Na campanha, vimos do que o marketing do João Santana era capaz. Muito mais do que receber dinheiro no exterior, como Duda Mendonça esmiuçara diante das câmeras no mensalão, agora se mentia e agredia o adversário com o desespero de quem tinha medo e percebia a esperança indo embora. Nos vídeos que a TV exibia, sumiam a comida na mesa e os livros nas mãos das crianças, e se sucediam ameaças inventadas contra quem ousasse pensar em votar em Marina Silva.

O provérbio fala em “além da queda, coice”. O que vimos foi “além da raiva, mentira”. Nascidas da desesperança e do medo de perder o poder. Só importava manter-se lá a qualquer preço. E hoje temos uma noção bem mais precisa de como foi alto esse preço pago adiantado — embora ainda estejamos longe de fechar a tampa de toda a roubalheira e chegar a somas finais, que sintetizem o prejuízo total aos cofres públicos e ao país. Só temos certeza é de que foi além da imaginação. E constatamos que o preço trazia Temer, vice dela transformado em presidente nosso, apoiado pelo quadrilhão que incluía corridinha com mala e mais uma sala cheia de dinheiro. E que Aécio não fora uma alternativa, mas apenas outro caso — com o mesmo linguajar chulo, a mesma promiscuidade com bandidos, as malas repletas que conhecíamos desde os aloprados.

No entanto, os votos de Ano Novo há pouco mostraram como a população percebe outro aspecto destes dias que estamos vivendo e que, igualmente fruto da desesperança, nos tem marcado nos últimos tempos. Tende a se acentuar neste ano de eleições que começa com data para um julgamento do próprio Lula, sob a ameaça de desrespeito à decisão judicial, mediante conclamação para reações violentas. Mas tanto pessoalmente quanto pela televisão, vimos pessoas que, ao desejarem paz em 2018, explicavam: “com menos raiva” ou “sem rancor”.

Dá um certo alento. Rancor é ressentimento raivoso que se guarda, fermentando no que Cora Rónai bem definiu como a densa baba do ódio. Desejar um país sem rancor é um bom voto para 2018, quaisquer que sejam em outubro os votos nas urnas. Já estamos fazendo besteira demais nesta nossa terra que segue aos trambolhões, enquanto a desigualdade se mantém, os políticos não fazem nada eficiente — e ainda atrapalham quem quer trabalhar. Não é bom para ninguém que a campanha eleitoral ( e o que dela resultar) se converta em um processo de vingança, em que o rancor vença a esperança.

A todos, feliz 2018. Com meus votos de “Fora, rancor!”


Ana Maria Machado é escritora



































extraídaderota2014blogspot

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