por Vitor Hugo Soares Com Blog do Noblat - O Globo
O juiz federal Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal do Rio de Janeiro,
sem poder viver normalmente (circular nas ruas, ir à praia, andar no
calçadão) na cidade em que habita e trabalha – por causa das atuais
ameaças e da preocupação com a segurança - pegou um vôo internacional de
carreira e desembarcou em Roma na quarta-feira do ocaso de 2017. Não
foi se queixar ao bispo ou pedir mais favores indevidos, ao contrário
de tantos visitantes gregos, baianos, nesta época ou em outros tempos
igualmente cabeludos.
O sentido da ida ao Vaticano, explicou o próprio magistrado, foi
agradecer ao pontífice maior da Igreja Católica, um visceral, implacável
e histórico adversário de corruptos e corruptores de todos os tipos e
em todos os lugares, inclusive no meio do próprio clero que ele comanda.
O Papa tem feito declarações memoráveis e muito oportunas, dirigidas
inclusive aos brasileiros. “Estamos entrando agora em período de
eleições, um ano (2018) muito importante para todos nós. Então, a ideia
era pedir, também, para que ele mantenha essa pauta, esse tema (contra a
corrupção)”, explicou o magistrado do Rio – figura de referência, ao
lado do colega Sérgio Moro, da Lava Jato, em Curitiba, demonstrando
assim que também levou apelos ao Vaticano.
O juiz Bretas, – que mandou para o Complexo Penitenciário de Benfica o
ex-governador Sérgio Cabral e outros notórios (os campistas Garotinho e
sua Rosinha entre eles) responsáveis pelo quadro de miséria, abandono,
degradação e falência atual do estado do Rio de Janeiro, pelo saque
contínuo e desenfreado dos cofres públicos – não poderia ter ido a
endereço mais apropriado. Nem procurado ouvidos mais atentos, ou voz
mais firme e generosa para dar eco mundial aos seus sentimentos e às
suas preocupações, diante de fatos e suspeitas deste tempo temerário no
Brasil.
A ojeriza à corrupção e aos que a praticam – nos setores público,
privado ou clerical – do atual condutor dos católicos vem de longe. Há
registros inumeráveis disso em livros, em jornais, em homilias, em
gravações, muitos dos quais podem ser consultados e conferidos com
relativa facilidade na web, atualmente.
Mas jornalista que sou de incontáveis idas e vindas a Buenos Aires, a
amada cidade argentina à beira do Rio da Prata, onde estive em maus e
bons tempos, posso repetir agora, mais uma vez, Sebastião Nery na
apresentação do livro “Rompendo o Cerco” – aquele tão citado do
Decálogo, frases e pronunciamentos de Ulysses Guimarães: “Ninguém me
contou, eu vi”.
Em 2005, por exemplo, quando ainda assinava Jorge Mario Bergoglio,
arcebispo de Buenos Aires, o atual Papa Francisco produziu um dos mais
firmes e contundentes escritos sobre o tema. Fonte, na época, de grande
polêmica, reboliço e reações variadas de poderosos de então (alguns
ainda em postos ou situações de mando) que vestiram a carapuça. No
texto, Bergoglio considera já na abertura, a corrupção pior que o
pecado.
Relembro e reproduzo um trecho de conteúdo notável, até mesmo como
mensagem alentadora de fim de ano. Eticamente pedagógica, ao lado da
decisão pronta e exemplar da ministra presidente do Supremo Tribunal
Federal, Cármen Lúcia, nesta quinta-feira, 28, de suspender o decreto de
indulto natalino assinado pelo presidente Temer, com generosidade e
potencial para favorecer e beneficiar corruptos, como não se tem
registro na história deste país.
Recusa parcial e liminar (o julgamento do mérito deve ocorrer em
fevereiro que vem), mas nos pontos e aspectos mais importantes e
cruciais, em atendimento à ação direta de inconstitucionalidade,
proposta com firmeza, conhecimento técnico e grande capacidade de
argumentação, pela procuradora - geral da República, Raquel Dodge.
Palavras do Papa Francisco: “A corrupção é o mal da nossa época, que se
alimenta de aparência e aceitação social, cresce como medida da ação
moral e pode consumir a partir de dentro, em uma atitude de "mundanidade
espiritual", quando não "esclerose do coração", até mesmo na própria
Igreja. E se para o pecado existe perdão, para a corrupção, não. Por
isso, a corrupção precisa ser curada”. Certeiras, vigorosas,
transcendentes e proféticas palavras.!
O escrito arquidiocesano na origem, de quase 13 anos atrás, foi
produzido em castelhano, e publicado mais recentemente no livro “A cura
da corrupção” - pela primeira vez em italiano através da Editora
Missionário – merece leitura integral e atenta. O especial e
atualíssimo conteúdo é recomendável à todos, católicos ou não. O
pontífice enumera e define ainda as principais características da
corrupção. Mas não conto. Só recomendo, vivamente o livro.
O magistrado do Rio também não poderia ter escolhido oportunidade melhor
para sua viagem a Roma. Nem, igualmente, espaço de ressonância mais
poderoso que o Vaticano, onde se deu a troca de palavras com Francisco.
De impacto amplificado em dimensão global e força de comunicação
instantânea, além de efeitos que seguramente ainda virão, mas
impossíveis de avaliar agora.
A conversa foi rápida, mas calorosa como é do jeito e do espírito de
Francisco, líder religioso de grande sensibilidade e percepção política e
social, ardoroso torcedor do San Lorenzo D`Almagro. Mesmo quando recebe
o visitante mais tímido e de poucas palavras, a exemplo de Bretas.
Na saída do encontro o juiz já surpreendia. Deu entrevista reveladora
(impactante em vários momentos), à repórter da Globo, em Roma, Ilze
Scamparini. A começar pela informação sobre as apreensões pessoais e a
disposição de ir em frente do magistrado, que, confessadamente, não pode
levar uma vida normal no Rio de Janeiro por causa das ameaças que sofre
desde que assumiu o julgamento dos casos da Operação Lava Jato no
estado.
A uma pergunta da repórter sobre se também a Lava Jato está ameaçada por
grupos políticos, o juiz do Rio disse que ela sempre esteve e sempre
estará ameaçada. “Não podemos ser ingênuos, acreditando que no meio de
uma investigação que envolve algumas pessoas que têm autoridade, alguns
agentes políticos. Agentes públicos, é ingênuo acreditar que não vai
haver algum tipo de resistência”, afirmou Marcelo Bretas.
O juiz tem razão. Mas há resistência, igualmente forte e decisiva, dos
que formam a barreira dos que abominam a corrupção e parecem firmemente
decididos – a exemplo do próprio Bretas e Moro - a seguir apurando,
processando e fazendo com que corruptos e corruptores paguem
exemplarmente por seus crimes.
Com ações como a da procuradora Raquel Dodge, de decisões como a da
ministra Cármen Lúcia, e aliados da envergadura moral e a coragem do
Papa Francisco tudo fica menos nebuloso e mais esperançoso para a
sociedade e para o Brasil.
Feliz Ano Novo a todos.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
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