Folha de São Paulo João Pereira Coutinho:
Li poucos dias atrás que alunos de jornalismo da City University, em
Londres, barraram certos jornais de poluírem os ares do departamento. O
"Daily Mail" ou o "Daily Express", para citar apenas dois, fomentam o
"fascismo, a tensão social e o ódio na sociedade" —e as crianças, que
serão jornalistas, não querem ser expostas a tanta violência.
O caso não tem nada de anormal. Todas as semanas, para não escrever
todos os dias, lá aparece mais uma notícia sobre a boçalidade dos jovens
em ambientes acadêmicos. Podem ser alunos de direito que não querem
ouvir falar de "violação". Ou alunos de literatura que não toleram
referências a "negros" em certas obras. O "direito à segurança" é mais
importante do que o conhecimento e a maturidade.
Perante esses cenários, a minha pergunta é sempre a mesma: e os professores?
Que atitude têm os professores quando as crianças tomam de assalto a instituição?
No caso da City University, a diretora da faculdade condenou a histeria
dos alunos. Mas não é difícil imaginar que essa sensibilidade para a
histeria foi tolerada, e até incentivada, nos múltiplos casos que vou
lendo com espanto e repulsa.
A pergunta, naturalmente, mantém-se: por quê?
Nelson Rodrigues já respondeu há muito. Por razões profissionais, passei
os últimos tempos com as crônicas do "reacionário". Foi bom relê-las
—estilisticamente falando. Mas é preciso reconhecer, sobretudo e acima
de tudo, que Nelson Rodrigues foi um "profeta". Meio século atrás, ele
já escrevia sobre a cultura abjeta que elevou o "jovem" a patamares
insanos.
Não direi, como Nelson Rodrigues dizia, que o "jovem" só tem dois
caminhos: ser um Rimbaud ou um idiota. Como professor, conheço vários
exemplares da espécie bem mais inteligentes e civilizados do que muitos
adultos.
Mas entendo a observação: atribuir à "juventude" uma virtude particular é
uma rendição moral e intelectual de adultos covardes —os
"compreensivos", como escrevia Nelson Rodrigues com sarcástico desdém.
Infelizmente, essa "compreensão" tem consequências. Uma delas, que
escapou ao sábio Nelson, encontra-se hoje nas pobres sociedades
democráticas do Ocidente.
Melhor dizendo: na forma arrogante e cega como uma (falsa) "elite"
intelectual é incapaz de entender as inquietações mais básicas de
pessoas reais. Talvez porque essas inquietações provocam "desconforto"
no mundo seguro e higienizado dos "compreensivos" e seus discípulos.
O medo do terrorismo islâmico; da imigração irrestrita; da mera
criminalidade quotidiana —tudo isso é desprezado pela agenda dos
"compreensivos". E as massas, que insistem em falar dos assuntos, são
metralhadas com as munições conhecidas: racistas, atrasadas, iletradas.
Irônico. Se os "compreensivos" tivessem lido o "Daily Mail" ou o "Daily
Express", teriam encontrado, mesmo que de forma rude, alguns sinais
importantes da realidade. Sinais que merecem atenção, não
desconsideração. Mas quem deseja conhecer a suja realidade quando é
possível criar uma realidade alternativa?
O problema é que a suja realidade não desaparece só porque não gostamos
da paisagem. Ela emerge sazonalmente para consagrar o líder "populista"
que soube ler o "Daily Mail" e o "Daily Express" sem tapar o nariz. Ou,
pelo menos, tapando só uma narina.
A esse respeito, aplaudo Simon Jenkins, um dos raros casos de
inteligência no insuportável "The Guardian", quando escreve sobre os
"compreensivos": "Eles vêem autoritarismo nos outros, mas não neles
próprios. Eles vêem discriminação nos outros, mas não a sua própria
discriminação. Protegendo as suas tribos preferidas, eles falham o teste
definitivo da democracia: a tolerância pelas preocupações daqueles com
quem discordam." Aplausos, aplausos.
Depois da vitória de Donald Trump, a Europa treme com o futuro da
França, da Itália, da Holanda —em suma, do continente inteiro. O tremor é
justificado.
Mas é importante dizer que o triunfo do novo populismo só foi possível
pela ignorância dos jovens idiotas e pela compreensão dos adultos
covardes.
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