Ives Gandra da Silva Martins: O Estado de São Paulo
Com exceção dos Estados Unidos, o presidencialismo nas Américas tem sido
um permanente fracasso. Todos os países que o adotaram tiveram golpes
de Estado, revoluções e períodos de uma frágil democracia.
Se analisarmos, depois da 2.ª Guerra Mundial os principais países
sul-americanos foram agitados por rupturas institucionais e regimes de
exceção. Assim, Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia,
Peru, Venezuela, Cuba, etc., passaram por rupturas democráticas e pela
implantação de regimes de força.
O Brasil, que viveu 42 anos no sistema parlamentar monárquico, desde
1889 jamais teve um período tão longo de estabilidade. De 1889 a 1930,
foram 41 anos interrompidos pela ditadura Vargas (de 1930 a 1945). O
período de 1946 a 1964 (18 anos) terminou com a revolução de 31 de
março. A redemocratização de 1985 deu início a um período de 31 anos,
com dois impeachments presidenciais e alta instabilidade. Os governos
dos presidentes Lula e Dilma Rousseff levaram o País à crise econômica
sem precedentes em sua História, com queda assustadora do PIB, 11,5
milhões de desempregados, retorno da inflação e fantástico nível de
corrupção.
Decididamente, o presidencialismo não é um bom sistema, pois confunde o
chefe de Estado com o chefe de governo e este, quando eleito, se sente
dono do poder, transformando-o, o mais das vezes, numa ditadura a prazo
certo.
Presidi entre 1962 e 1964, na cidade de São Paulo, o extinto Partido
Libertador, o único partido autenticamente parlamentarista entre os 13
existentes até o Ato Institucional n.º 2. Declarava Raul Pilla, seu
presidente nacional, ser o parlamentarismo o sistema de governo da
“responsabilidade a prazo incerto”, pois, eleito um chefe de governo
irresponsável, por voto de desconfiança é alijado do poder, sem traumas.
O presidencialismo, ao contrário, considerava Pilla, é o sistema “da
irresponsabilidade a prazo certo”, pois, eleito um presidente
incompetente ou corrupto, só pelo traumático processo do impeachment é
possível afastá-lo.
Vejamos, por exemplo, o Brasil atual. Desde 2014 os sinais de fracasso
do modelo econômico adotado eram evidentes, mas só houve consenso em
iniciar o processo de impeachment em meados de 2016.
Arend Lijphart, professor da Universidade Yale, publicou um livro, em 1984, intitulado Democracies:Patterns of Majoritarian & Consensus Government in Twenty-one Countries.
Examinou o sistema dos 21 principais países do mundo onde não houvera
ruptura institucional depois de 2.ª Guerra Mundial e encontrou 20
hospedando o parlamentarismo e só os Estados Unidos presidencialista.
Historicamente, os dois sistemas têm origem na Inglaterra, o parlamentar
(1688/89), e nos Estados Unidos, o presidencial (1776/87). A própria
influência inglesa nas 13 colônias levou os norte-americanos a adotar um
sistema presidencial quase parlamentar, pois lá o Congresso tem
participação decisiva nas políticas governamentais.
O grande diferencial entre parlamentarismo e presidencialismo reside na
responsabilidade. No parlamentarismo, o mau desempenho é motivo de
afastamento do primeiro-ministro, eleito sem prazo certo para governar. A
própria separação entre chefe de Estado e chefe de governo cria um
poder ultrapartidário capaz de intervir nas crises, seja para avalizar
novos governos escolhidos pelo Parlamento, seja para dissolver o
Parlamento quando este se mostre também irresponsável, a fim de
consultar o povo se aquele Parlamento continua a merecer a confiança do
eleitor.
O simples fato de o chefe de governo ter de prestar contas ao Parlamento
e os parlamentares poderem voltar mais cedo para casa impõe a seus
governos a responsabilidade, característica dominante no sistema
parlamentarista.
Por outro lado, a separação da chefia de governo da chefia de Estado –
algo que, no presidencialismo, se confunde na mesma pessoa – facilita a
adoção de outros atributos próprios do sistema parlamentar, como o da
burocracia profissionalizada. Este jornal publicou em 3/1/2015 que,
enquanto o governo parlamentar alemão tinha 600 funcionários não
concursados para tais funções, a presidente Dilma Rousseff tinha 113
mil.
Eleito um governo, este escolherá entre os servidores públicos que estão
no topo da carreira os que mais se afinam com a maneira de ser do novo
governo. Gozam os presidentes dos Bancos Centrais de autonomia maior,
quando não de independência. Por essa razão, nas quedas de Gabinete os
servidores administram o País até a escolha de um novo governo, sem a
economia ser afetada.
Acrescente-se que a maioria dos países parlamentares adota o voto
distrital puro ou misto, o que facilita o controle do eleitor sobre o
político eleito.
Os modelos parlamentaristas são diversos, com maior ou menor atuação do
chefe de Estado. Alguns até exercem funções de governo, como nos modelos
francês e português, por exemplo, mas a regra é não exercê-las.
Também os partidos políticos se fortalecem no parlamentarismo, enquanto
no presidencialismo se esfacelam, à luz da maior força do presidente.
Quando se diz que o Brasil não pode ter o parlamentarismo porque não tem
partidos políticos, respondo que o Brasil não tem partidos políticos
porque não tem o parlamentarismo. Cláusula de barreira é fundamental
para evitar legendas de aluguel, algo que, no Brasil, é um dos maiores
males do presidencialismo.
Creio que chegou o momento de repensar o modelo político brasileiro e
adotar o sistema parlamentar, que sempre deu certo no mundo,
substituindo o adotado pelo Brasil, cujo fracasso é fantasticamente
constante na sua História.
*Professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo e Unifmu,
do Ciee/'o Estado de S. Paulo', da Eceme, da ESG e da Escola da
Magistratura do Tribunal Regional Federal-1ª Região
extraídaderota2014blogspot





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