editorial do Estadão
Uma característica que chama a atenção no estilo da nova presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, fartamente
revelado ao longo dos mais de 10 anos em que ela integra aquela Corte, é
a capacidade de tratar os temas mais ásperos e controvertidos em tom
sempre muito firme, mas ameno, pontuado por frequentes citações
literárias que predispõem a reflexões serenas sobre questões essenciais
da vida nacional. Foi exatamente o que fez, em seu discurso de posse, a
segunda mulher a assumir a presidência do STF, ao destacar a
responsabilidade de sua nova investidura – a de “guardar e fazer
garantir a satisfação do sentimento de Justiça de cada um e de todos os
brasileiros”, uma vez que “há de se reconhecer que o cidadão não há de
estar satisfeito, hoje, com o Poder Judiciário”.
De fato, em tempos em que são cassados os mandatos de uma presidente da
República e de um presidente da Câmara dos Deputados, contra o pano de
fundo de uma devassa sem precedentes nas entranhas de um sistema
político-partidário e de gestão da coisa pública que elevou a corrupção à
condição de método, não se pode imaginar que o brasileiro esteja
minimamente satisfeito com a realidade que o cerca. E o Poder Judiciário
não pode se isentar de responsabilidade nessa crise, como admitiu em
sua fala e ministra Cármen Lucia: “Homens e mulheres estão nas praças
pelos seus direitos e pelos seus interesses. Quer-se um Brasil mais
justo e é imprescindível que o construamos”.
A corrupção institucionalizada que mais de uma década de lulopetismo
deixa de herança não é o único, mas talvez seja o principal fator do
impasse político, do desastre econômico, da angústia e do sofrimento da
população e, sobretudo, da dificuldade que o cidadão brasileiro tem hoje
para compreender e se posicionar sobre valores que dão lastro a uma
sociedade livre, próspera e justa.
Nesse contexto, tem importância preponderante o Poder Judiciário. Ao dar
consequência, ao longo dos últimos dois anos e meio, à ação da Lava
Jato e operações congêneres, colocando atrás das grades articuladores,
operadores e empresários, a Justiça responde ao anseio nacional pelo
combate à corrupção. Mas não escapa a uma observação mais atenta o fato
de que, salvo as exceções que confirmam a regra, um amplo contingente de
gordas raposas da política brasileira sob investigação – senadores,
deputados, ex-presidentes e ministros de Estado – consegue permanecer
distante das barras dos tribunais.
De acordo com levantamento feito pela revistaCongresso em Foco,
em meados de 2013 havia 542 inquéritos e ações contra 224 parlamentares
parados no STF. Essa pesquisa carece de atualização, mas nada leva a
crer que três anos depois esses números sejam muito diferentes.
Provavelmente, aumentaram, já que a Lava Jato começou a operar nos
primeiros meses de 2014.
O STF tem tomado algumas decisões importantes e até ousadas no combate à
corrupção, como foi o caso da decisão unânime que afastou Eduardo Cunha
da presidência da Câmara e do mandato de deputado porque estava
atrapalhando as investigações de que era alvo. E os próprios policiais,
procuradores e magistrados de primeira instância explicam que as
investigações que envolvem pessoas que dispõem de foro privilegiado são
naturalmente mais demoradas, porque exigem um conjunto probatório mais
complexo. Pode ser. Mas a investigação e o julgamento de figurões da
política, pela gravidade da ofensa que cometem contra a sociedade que
deveriam representar, precisam ter um caráter de exemplaridade do qual a
urgência possível faz parte. Não podem ser relegados à vala comum dos
processos acumulados.
Esse exemplo o aparelho judiciário brasileiro, infelizmente, não tem
dado. Não é uma deficiência que possa ser debitada ao quadro geral da
morosidade da Justiça no País. Casos como esses, pela sua condição
simbólica, devem ser objeto de absoluta prioridade, como sugeriu o
decano Celso de Mello, no veemente discurso contra a corrupção feito ao
apresentar a presidente Cármen Lúcia: é preciso combater a “delinquência
governamental”. E, no Estado de Direito, só o Supremo pode fazê-lo.
extraídadearota2014blogspot





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