Jornalista Andrade Junior

domingo, 25 de maio de 2014

Emprego e bico de pato -

EDITORIAL O ESTADÃO

Como o ornitorrin­co, a economia bra­sileira é uma apa­rente aberração, formada pela sur­preendente combi­nação de baixo de­semprego, indús­tria estagnada, crescimento econô­mico pífio e inflação muito alta pe­los padrões internacionais. Apesar de improvável, esse conjunto é tão real quanto o mais estranho dos ma­míferos - um bicho ovíparo, com bi­co de pato, patas com membranas, rabo de castor e grande capacidade de movimentação na água. Diferen­ça principal: no ornitorrinco, o con­junto funciona. No Brasil, a soma da­queles componentes resulta na síndrome de uma economia em muito mau estado.

Na retórica da presidente Dilma Rousseff e de sua equipe econômica, a história é muito diferente. O baixo desemprego - aquele indicado pela pesquisa mensal em seis regiões me­tropolitanas - é apontado como pro­va do sucesso da política econômica. Examinados com um pouco mais de atenção, os fatos se revelam muito menos positivos.

Em abril, o desemprego ficou em 4,9% nas seis áreas cobertas pela pes­quisa tradicional do Instituto Brasi­leiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa taxa, uma das mais bai­xas do mundo, foi ligeiramente infe­rior à de março, 5%, e bem menor que a de um ano antes, 5,8%. A mas­sa de renda real dos ocupados dimi­nuiu 0,5% de março para abril, mas ainda foi 3,6% maior que a de abril de 2013. O aumento da massa de ren­da real, somado à expansão do crédi­to, sustentou durante anos um bom volume de consumo.

Mas o quadro do emprego é sur­preendente por mais de uma razão. Uma delas é o baixo ritmo de cresci­mento da economia. Outro detalhe intrigante é a escassa criação de em­pregos observada já há algum tem­po. Em relação a março a população ocupada nas seis áreas metropolita­nas aumentou apenas 0,1%, com a criação de 17 mil postos de trabalho. A mesma variação, de 0,1%, ocorreu em relação a abril do ano passado. Como a população em idade ativa continuou em crescimento e a pro­porção de desocupados diminuiu, a parcela dos inativos deve ter aumen­tado. Os inativos - 19,19 milhões em abril - foram 0,6% mais numerosos que em março. Em relação a um ano antes, a expansão foi de 4,2%.

Há um cenário de estabilidade na ocupação, comentou a especialista Adriana Araújo Beringuy, da Coorde­nação de Trabalho e Rendimento do IBGE. A taxa de desemprego, expli­cou, caiu porque houve redução das pessoas em busca de trabalho, sem ter havido geração significativa de postos de trabalho.

O encolhimento da população ati­va e, portanto, do pessoal em busca de emprego tem sido observado há algum tempo. Especialistas têm pro­posto várias explicações, como au­mento da renda familiar, menor pre­sença de mulheres, jovens e idosos no mercado e também mudanças na dinâmica demográfica.

Mas há outros componentes im­portantes, e muito menos positivos, na recomposição desse mercado. A perda de qualidade do emprego é um dado cada vez mais evidente. En­tre março e abril foram eliminados 69 mil postos na indústria. O pes­soal ocupado no setor diminuiu 1,9% de um mês para outro e ficou 2% abaixo do total computado em abril de 2013. Além disso, em abril houve corte de 0,9% na construção. Em um ano a redução do pessoal em­pregado chegou a 3,1%.

A criação de postos ocorreu no co­mércio, nos empregos domésticos e em várias outras categorias de servi­ços, privados e públicos. Movimento parecido foi revelado pela nova atua­lização do Cadastro Geral de Empre­gados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho. O saldo lí­quido de empregos formais em abril -105,3 mil em todo o País - foi o menor desde 1999. Além disso, o empre­go industrial diminuiu tanto em rela­ção a março quanto em relação a abril do ano anterior.

A deterioração da qualidade do em­prego está obviamente associada à estagnação da indústria. Além disso, a criação de postos tem dependido, principalmente, dos serviços e dos estímulos ao consumo. Sem cresci­mento industrial e com as exporta­ções muito fracas, também os servi­ços e o varejo começam a perder im­pulso, como indicaram as últimas pesquisas do IBGE. Desmorona o modelo em vigor nos últimos anos.

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