EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR -
A excessiva dependência que muitas ONGs têm de recursos do poder público ajuda a entender o uso de entidades de fachada para desvio de verbas e outras irregularidades
A condescendente Controladoria-Geral da União (CGU), órgão responsável por prestar assessoria imediata à Presidência da República em assuntos relativos ao patrimônio público e ao cumprimento dos preceitos éticos no âmbito da administração federal, descobriu que há 28 contratos firmados entre o Ministério do Trabalho e ONGs com “indícios graves” de irregularidades. Quem revelou o dado foi o próprio chefe da CGU, ministro Jorge Hage, em audiência na Câmara Federal na última quarta-feira.
O ministro do Trabalho, Manoel Dias, também presente à audiência, defendeu-se alegando faltar à sua pasta estrutura para fiscalizar o cumprimento das finalidades e as prestações de contas dos convênios que mantém com centenas de organizações não governamentais. E chorou quando confrontado com denúncias de que também ele teria se servido de uma ONG de seu estado (Santa Catarina) para dar emprego a apaniguados.
Não é de hoje que o Ministério do Trabalho tem sido foco de denúncias do tipo. Feudo do PDT e do presidente da legenda, Carlos Lupi, a pasta é tão frequentemente citada por envolvimento em escândalos do gênero que as revelações da CGU já não mais surpreendem, principalmente quando se recorda ter sido o próprio Lupi defenestrado do cargo em 2011 –medida inócua, já que Lupi foi substituído pelo correligionário pedetista indicado por ele. O que surpreende, mesmo, é que, ainda que tão antigas e tão conhecidas sejam as maracutaias que se articulam nos gabinetes do Ministério do Trabalho, elas parecem ser inesgotáveis. Repetem-se indefinidamente até o próximo escândalo, sem que para os primeiros se tenham tomado as necessárias medidas corretivas.
Mas ainda mais surpreendente é a generalizada incompreensão do que deva ser uma organização não governamental. ONGs são entidades sumamente importantes, e muitos brasileiros saberão citar imediatamente ONGs famosas e admiradas, seja no campo da saúde, da educação, da preservação ambiental, da luta por direitos de minorias e tantas outras áreas. De Alexis de Tocqueville a Robert Putnam, diversos estudiosos escreveram sobre a importância de associações que congregam cidadãos com um objetivo em comum; as sociedades mais saudáveis são aquelas em que existe uma sólida cultura de participação comunitária. Quando ONGs e outras entidades agem, elas não “cumprem um papel que deveria ser do Estado”; em vez disso, colocam em prática o saudável princípio segundo o qual as instâncias superiores da sociedade só deveriam atuar quando as instâncias superiores não tivessem a capacidade de agir em determinada situação.
Mas a denominação é autoexplicativa: “não governamental”. ONGs precisam ser independentes do Estado, mas no Brasil se criou uma situação em que há organizações “não governamentais” que só devem sua existência à ajuda do governo, em vez de mobilizar a própria sociedade para lhe prover os recursos necessários. O contrário disso – isto é, a dependência da boa vontade dos governos em lhes bancar – é que gera as distorções que desembocam na corrupção e na instrumentalização política de grande número de ONGs. Trata-se de um mal que precisa ser superado, visando, sobretudo, a proteger com o manto da respeitabilidade muitas organizações que, de fato, prestam serviços inestimáveis à população. Caso contrário, correm o risco de cair na vala comum das milhares de ONGs que se prestam apenas a servir a interesses escusos, como os desvendados na investigação sobre o Ministério do Trabalho.
A excessiva dependência que muitas ONGs têm de recursos do poder público ajuda a entender o uso de entidades de fachada para desvio de verbas e outras irregularidades
A condescendente Controladoria-Geral da União (CGU), órgão responsável por prestar assessoria imediata à Presidência da República em assuntos relativos ao patrimônio público e ao cumprimento dos preceitos éticos no âmbito da administração federal, descobriu que há 28 contratos firmados entre o Ministério do Trabalho e ONGs com “indícios graves” de irregularidades. Quem revelou o dado foi o próprio chefe da CGU, ministro Jorge Hage, em audiência na Câmara Federal na última quarta-feira.
O ministro do Trabalho, Manoel Dias, também presente à audiência, defendeu-se alegando faltar à sua pasta estrutura para fiscalizar o cumprimento das finalidades e as prestações de contas dos convênios que mantém com centenas de organizações não governamentais. E chorou quando confrontado com denúncias de que também ele teria se servido de uma ONG de seu estado (Santa Catarina) para dar emprego a apaniguados.
Não é de hoje que o Ministério do Trabalho tem sido foco de denúncias do tipo. Feudo do PDT e do presidente da legenda, Carlos Lupi, a pasta é tão frequentemente citada por envolvimento em escândalos do gênero que as revelações da CGU já não mais surpreendem, principalmente quando se recorda ter sido o próprio Lupi defenestrado do cargo em 2011 –medida inócua, já que Lupi foi substituído pelo correligionário pedetista indicado por ele. O que surpreende, mesmo, é que, ainda que tão antigas e tão conhecidas sejam as maracutaias que se articulam nos gabinetes do Ministério do Trabalho, elas parecem ser inesgotáveis. Repetem-se indefinidamente até o próximo escândalo, sem que para os primeiros se tenham tomado as necessárias medidas corretivas.
Mas ainda mais surpreendente é a generalizada incompreensão do que deva ser uma organização não governamental. ONGs são entidades sumamente importantes, e muitos brasileiros saberão citar imediatamente ONGs famosas e admiradas, seja no campo da saúde, da educação, da preservação ambiental, da luta por direitos de minorias e tantas outras áreas. De Alexis de Tocqueville a Robert Putnam, diversos estudiosos escreveram sobre a importância de associações que congregam cidadãos com um objetivo em comum; as sociedades mais saudáveis são aquelas em que existe uma sólida cultura de participação comunitária. Quando ONGs e outras entidades agem, elas não “cumprem um papel que deveria ser do Estado”; em vez disso, colocam em prática o saudável princípio segundo o qual as instâncias superiores da sociedade só deveriam atuar quando as instâncias superiores não tivessem a capacidade de agir em determinada situação.
Mas a denominação é autoexplicativa: “não governamental”. ONGs precisam ser independentes do Estado, mas no Brasil se criou uma situação em que há organizações “não governamentais” que só devem sua existência à ajuda do governo, em vez de mobilizar a própria sociedade para lhe prover os recursos necessários. O contrário disso – isto é, a dependência da boa vontade dos governos em lhes bancar – é que gera as distorções que desembocam na corrupção e na instrumentalização política de grande número de ONGs. Trata-se de um mal que precisa ser superado, visando, sobretudo, a proteger com o manto da respeitabilidade muitas organizações que, de fato, prestam serviços inestimáveis à população. Caso contrário, correm o risco de cair na vala comum das milhares de ONGs que se prestam apenas a servir a interesses escusos, como os desvendados na investigação sobre o Ministério do Trabalho.
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