A emergência de um contingente da população para a classe média, com novo acesso a bens de consumo, gera uma sensação de melhora, mas não permanente
Dizem que felicidade é a diferença da expectativa futura e a realidade que se impõe. O brasileiro tem sido feliz — pelo menos assim tem respondido às pesquisas —, o que pode ser resultado da melhoria dos indicadores econômicos nos últimos anos. Mas a melhora pode estar diminuindo, caso a tendência observada nos dados sociais divulgados pelo IBGE na última sexta-feira se confirmar. Para a felicidade (e sensação de bem-estar), a manutenção do progresso é fundamental. O que esperamos desses dados para a frente? E qual será a consequência para o futuro do País?
Vista de uma perspectiva histórica, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) mostra um Brasil mudado. A população, que alcançou 196,9 milhões em 2012, cresce cada vez menos, aumentando apenas 0,8% em 2012 em relação ao ano anterior. Isso contribui para que haja menos pessoas desocupadas no Brasil, mesmo com crescimento recente baixo da economia, ajudando a explicar o paradoxo recente de desemprego baixo sem crescimento forte (em 2012 eram 6% em comparação com acima de 10% há alguns anos). Com o mercado de trabalho mais aquecido, o rendimento real do brasileiro no trabalho tem aumentado sistematicamente: só no ano passado o ganho foi de 5,8% acima da inflação. E, com mais renda, o acesso a bens e consumo é bem maior, graças à emergência da denominada “nova classe média” — em torno de 97% dos domicílios possuem geladeira e televisão e, mais do que a metade, celular e máquina de lavar roupa.
A mudança dos últimos anos incluiu também (e principalmente) o progresso nos indicadores sociais, apesar de um longo caminho ainda a percorrer. O Brasil é hoje um país muito menos desigual, o índice de Gini alcançou perto de 0,50 em 2012, recuando de níveis muito altos (só encontrados na África). A quantidade de analfabetos despencou para 8% do total nos últimos anos, e a média de anos de estudos subiu para sete anos e meio.
A grande novidade deste ano, no entanto, foi a desaceleração ou interrupção do progresso observado nos anos recentes. A desigualdade teve a menor queda dos últimos anos, ficando muito próxima do resultado de 2011. O porcentual de analfabetos teve até um pequeno aumento em 2012, mantendo o número acima de 15 milhões no País. A escolaridade média aumentou, embora a educação ainda seja deficiente.
Antes da divulgação do IBGE, o índice construído pelo Itaú para avaliar a evolução do bem-estar (que leva em consideração, além das condições econômicas, as condições humanas e a distribuição de renda) já mostrava o mesmo padrão.
O interessante é que há evidências na literatura acadêmica de que a sensação de bem-estar está associada à evolução futura desses indicadores sociais e econômicos, e não ao nível atingido. A razão é que as novas condições favoráveis são absorvidas e incorporadas ao dia a dia, exigindo novas melhoras para aumentar a sensação de bem-estar. Por exemplo, a emergência de um contingente da população para a classe média, com novo acesso a bens de consumo, gera uma sensação de melhora, mas não permanente. Ao longo do tempo, haverá uma busca por melhoras adicionais e um olhar mais crítico à situação recém-conquistada.
A consequência disso é que a melhora dos indicadores enseja novos anseios, ainda mais quando a comparação internacional ainda é desfavorável. A demanda por mudanças e reformas vira a tônica da sociedade. Entendo os protestos no mundo como consequência da transição de uma década de ganhos robustos de renda e bem-estar para década atual pós-crise, cuja desaceleração nas economias emergentes desacelerou os ganhos de bem-estar.
Nesse sentido é importante avaliar a perspectiva futura no País. Apesar de as medidas tradicionais de evolução econômica como PIB, renda e consumo não serem suficientes para medir o bem-estar, há uma relação entre elas ao longo do tempo. O crescimento da economia facilita (apesar de não garantir) o progresso em várias áreas. Para manter o mesmo ritmo de ganhos nos indicadores sociais e da desigualdade, o desafio é aumentar o investimento, produtividade e crescimento da economia.
O progresso é como a bicicleta, não pode parar, nem mesmo desacelerar muito, sem gerar algum desequilíbrio na sensação de bem-estar. O Brasil precisa voltar a crescer, enfrentando os gargalos em infraestrutura, ampliando a qualidade da educação e buscando eficiência no setor público e privado. Mas sem deixar de lado dimensões cada vez mais importantes do bem-estar, como qualidade dos serviços públicos e uso eficiente dos recursos.
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