Jornalista Andrade Junior

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Finalmente, a constatação do óbvio: o Enem virou o maior vestibular do mundo

REINALDO AZEVEDO



Finalmente o óbvio! Os leitores habituais deste blog sabem que há muito tempo afirmo que o Enem se transformou no maior vestibular do mundo. E nem poderia ser diferente. Era uma questão de lógica. Se o exame deixou de avaliar a qualidade do ensino para ser um instrumento de ingresso dos alunos nas universidades federais e se há menos vagas do que candidatos, qual é a consequência óbvia? Haverá uma disputa, certo?, e o aspecto classificatório da prova se sobrepõe ao da simples avaliação. Leiam o que informa Lecticia Maggi, na VEJA.com:
As provas da edição de 2013 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), aplicadas neste fim de semana, apresentaram diferenças significativas em relação a outros anos: os enunciados e textos de apoio ficaram menores, enquanto as soluções das questões de matemática e ciências da natureza passaram a exigir a aplicação de fórmulas. Na avaliação do professor Luís Ricardo Arruda, coordenador do Anglo Vestibulares, não há mais dúvidas: o Enem se tornou um grande vestibular. “Saiu interpretação de texto e entrou mais conteúdo”, analisa.
Um dos mais claros exemplos dessa mudança na estrutura da avaliação federal, que vinha sendo desenhada desde 2009, quando o Enem foi transformado em vestibular das universidades federais, pode ser percebido na prova de matemática. Dentre as 45 questões de exatas deste domingo, os candidatos se depararam com equação quadrática, frações e logaritmos — itens até então pouco cobrados. “O Enem exigiu que os participantes soubessem aplicar fórmulas e dominassem, realmente, matemática. Neste ano, apareceram cálculos de figuras planas e espaciais. Já em edições anteriores, saber regra de três bastava”, afirma Arruda.
Um pouco menos complexa, a prova de linguagens apresentou como itens de apoio a letra de Até Quando, de Gabriel o Pensador e o quadro Descobrimento do Brasil, de Candido Portinari. As questões do teste ainda envolveram os hábitos de alimentação de adolescentes e relação dos jovens com a internet. Os textos da prova, em geral, encurtaram — ponto considerado positivo por Arruda: “O exame era muito cansativo, com trechos demasiadamente longos. Felizmente, esse erro foi corrigido. Nesta edição, vieram textos curtos e charmosos, que despertavam o interesse dos participantes”. Já o ponto negativo foram as alternativas de algumas questões, consideradas óbvias. Um exemplo disso é o item 99 (prova rosa), em que o candidato deveria analisar um quadro do artista polônes Pawla KucynsKiego. “A resposta (letra C) era muito fácil, não exigia nem sequer reflexão”, afirma.
Motivo de comemoração para alguns candidatos, o tema da redação deste ano, “Efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil”, foi aprovado pelo professor de língua portuguesa Fernando dos Santos Andrade, do Anglo Vestibulares. “Já era esperada uma proposta que discutisse questões relacionadas à cidadania já que essa é uma característica do Enem. Mas o tema Lei Seca em si foi uma agradável surpresa”, diz.
Segundo ele, os textos de apoio à proposta de dissertação induziam o candidato a perceber os efeitos positivos da lei, mas não impediam também que abordassem suas falhas. Comparando a 2012, quando os participantes tiveram que escrever sobre movimentos imigratórios para o Brasil no século 21, o tema desta edição foi considerado mais fácil. “Por tratar-se de uma lei nacional, foi um tema amplamente divulgado e que está mais próximo da realidade dos jovens. Além disso, está relacionado a um sério problema da sociedade e que precisa de constante discussão: as mortes por embriaguez no trânsito”, afirma.
Impasse Especialistas são unânimes ao afirmar que o modelo “vestibular” do Enem veio para ficar, mas ainda requer muitos ajustes. Neste ano, pela primeira vez, a avaliação será usada como processo seletivo — ou parte dele — por todas as 59 universidades federais do país. E, segundo o Ministério da Educação (MEC), mais doze instituições de ensino já manifestaram interesse em aderir ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu) para preenchimento integral ou parcial de suas vagas em 2014.
Ao transformar a prova em um gigantesco vestibular, contudo, o país perde um instrumento importante de avaliação do ensino médio. Um mesmo exame não pode se prestar com eficácia a duas funções de natureza tão distinta: avaliar a etapa final da educação básica e, ao mesmo tempo, selecionar candidatos para o ensino superior. O MEC, contudo, insiste: até o fim do ano, prometeu entregar a todas as escolas um relatório detalhado sobre o desempenho dos alunos na avaliação federal. Espera-se que, com o documento, gestores e professores tenham conhecimento das principais deficiências de seus alunos e possam, assim, aprimorar as aulas. A ideia é, na verdade, um paradoxo: “O Enem, como é estruturado hoje, não avalia os conhecimento necessários dos alunos para o fim do ensino médio, somente peneira os melhores”, afirma Arruda. “Em um exame de seleção você avalia bem os melhores alunos, mas não os demais”, completa Ruben Klein, especialista em estatística e consultor da Fundação Cesgranrio.
Por Reinaldo Azevedo

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