REINALDO AZEVEDO
Finalmente
o óbvio! Os leitores habituais deste blog sabem que há muito tempo
afirmo que o Enem se transformou no maior vestibular do mundo. E nem
poderia ser diferente. Era uma questão de lógica. Se o exame deixou de
avaliar a qualidade do ensino para ser um instrumento de ingresso dos
alunos nas universidades federais e se há menos vagas do que candidatos,
qual é a consequência óbvia? Haverá uma disputa, certo?, e o aspecto
classificatório da prova se sobrepõe ao da simples avaliação. Leiam o
que informa Lecticia Maggi, na VEJA.com:
As provas
da edição de 2013 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), aplicadas
neste fim de semana, apresentaram diferenças significativas em relação a
outros anos: os enunciados e textos de apoio ficaram menores, enquanto
as soluções das questões de matemática e ciências da natureza passaram a
exigir a aplicação de fórmulas. Na avaliação do professor Luís Ricardo
Arruda, coordenador do Anglo Vestibulares, não há mais dúvidas: o Enem
se tornou um grande vestibular. “Saiu interpretação de texto e entrou
mais conteúdo”, analisa.
Um dos
mais claros exemplos dessa mudança na estrutura da avaliação federal,
que vinha sendo desenhada desde 2009, quando o Enem foi transformado em
vestibular das universidades federais, pode ser percebido na prova de
matemática. Dentre as 45 questões de exatas deste domingo, os candidatos
se depararam com equação quadrática, frações e logaritmos — itens até
então pouco cobrados. “O Enem exigiu que os participantes soubessem
aplicar fórmulas e dominassem, realmente, matemática. Neste ano,
apareceram cálculos de figuras planas e espaciais. Já em edições
anteriores, saber regra de três bastava”, afirma Arruda.
Um pouco
menos complexa, a prova de linguagens apresentou como itens de apoio a
letra de Até Quando, de Gabriel o Pensador e o quadro Descobrimento do
Brasil, de Candido Portinari. As questões do teste ainda envolveram os
hábitos de alimentação de adolescentes e relação dos jovens com a
internet. Os textos da prova, em geral, encurtaram — ponto considerado
positivo por Arruda: “O exame era muito cansativo, com trechos
demasiadamente longos. Felizmente, esse erro foi corrigido. Nesta
edição, vieram textos curtos e charmosos, que despertavam o interesse
dos participantes”. Já o ponto negativo foram as alternativas de algumas
questões, consideradas óbvias. Um exemplo disso é o item 99 (prova
rosa), em que o candidato deveria analisar um quadro do artista polônes
Pawla KucynsKiego. “A resposta (letra C) era muito fácil, não exigia nem
sequer reflexão”, afirma.
Motivo de
comemoração para alguns candidatos, o tema da redação deste ano,
“Efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil”, foi aprovado pelo
professor de língua portuguesa Fernando dos Santos Andrade, do Anglo
Vestibulares. “Já era esperada uma proposta que discutisse questões
relacionadas à cidadania já que essa é uma característica do Enem. Mas o
tema Lei Seca em si foi uma agradável surpresa”, diz.
Segundo
ele, os textos de apoio à proposta de dissertação induziam o candidato a
perceber os efeitos positivos da lei, mas não impediam também que
abordassem suas falhas. Comparando a 2012, quando os participantes
tiveram que escrever sobre movimentos imigratórios para o Brasil no
século 21, o tema desta edição foi considerado mais fácil. “Por
tratar-se de uma lei nacional, foi um tema amplamente divulgado e que
está mais próximo da realidade dos jovens. Além disso, está relacionado a
um sério problema da sociedade e que precisa de constante discussão: as
mortes por embriaguez no trânsito”, afirma.
Impasse
Especialistas são unânimes ao afirmar que o
modelo “vestibular” do Enem veio para ficar, mas ainda requer muitos
ajustes. Neste ano, pela primeira vez, a avaliação será usada como
processo seletivo — ou parte dele — por todas as 59 universidades
federais do país. E, segundo o Ministério da Educação (MEC), mais doze
instituições de ensino já manifestaram interesse em aderir ao Sistema de
Seleção Unificada (Sisu) para preenchimento integral ou parcial de suas
vagas em 2014.
Ao
transformar a prova em um gigantesco vestibular, contudo, o país perde
um instrumento importante de avaliação do ensino médio. Um mesmo exame
não pode se prestar com eficácia a duas funções de natureza tão
distinta: avaliar a etapa final da educação básica e, ao mesmo tempo,
selecionar candidatos para o ensino superior. O MEC, contudo, insiste:
até o fim do ano, prometeu entregar a todas as escolas um relatório
detalhado sobre o desempenho dos alunos na avaliação federal. Espera-se
que, com o documento, gestores e professores tenham conhecimento das
principais deficiências de seus alunos e possam, assim, aprimorar as
aulas. A ideia é, na verdade, um paradoxo: “O Enem, como é estruturado
hoje, não avalia os conhecimento necessários dos alunos para o fim do
ensino médio, somente peneira os melhores”, afirma Arruda. “Em um exame
de seleção você avalia bem os melhores alunos, mas não os demais”,
completa Ruben Klein, especialista em estatística e consultor da
Fundação Cesgranrio.
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