Preocupa ver magistrados aceitando a tese de que o quebra-quebra, o vandalismo e a depredação são manifestações legítimas de contestação social
No Rio de Janeiro, manifestação contra o leilão do pré-sal termina em quebra-quebra e confronto com a Força Nacional. No interior paulista, um laboratório é invadido por ativistas para o resgate de cães usados como cobaias (os ratos foram deixados no local). Em São Paulo, a Reitoria da Universidade de São Paulo é invadida e depredada. Não há como desconsiderar certas similaridades entre o terrorismo e os atos de violência que vêm se repetindo país afora por black blocs e demais vândalos. Assim como o terror justifica a destruição e a matança como instrumentos de pressão política contra o que se considera injusto ou contrário às suas convicções, ocupações e depredações presenciadas pelos brasileiros ocorrem supostamente em nome de objetivos revestidos com embalagens de nobres causas.
Tão condenável quanto à violência em si é a construção de um arcabouço intelectual e jurídico que justifique a baderna como meio legítimo de protesto. No dia 10, denunciamos neste espaço o apoio dos ambientes acadêmicos ao vandalismo. Para piorar o quadro, agora percebe-se que há juízes compreensivos e dispostos a dar proteção aos vândalos eventualmente presos em flagrante. Com certeza, suas ordens de soltura sem nem mesmo esperar a conclusão dos devidos inquéritos – e consequente abertura de processo criminal – representam um salvo-conduto que alimenta, pela impunidade, a multiplicação dos atos de violência.
Chegam até a ser chocantes as rápidas decisões judiciais que costumam pôr baderneiros em liberdade, como bem exemplifica a de autoria do juiz paulista Adriano Laroca, ao negar a reintegração de posse da Reitoria da USP, invadida em 1.º de outubro. Teorizando sobre a legitimidade da invasão e depredação do prédio, ele escreveu: “A ocupação de bem público (no caso de uso especial, poderia ser de uso comum, por exemplo, uma praça ou rua), como forma de luta democrática, para deixar de ter legitimidade, precisa causar mais ônus do que benefícios à universidade e, em última instância, à sociedade. Outrossim, frise-se que nenhuma luta social que não cause qualquer transtorno, alteração da normalidade, não tem força de pressão e, portanto, sequer poderia se caracterizar como tal.” Espantosamente, o magistrado quis dizer que a invasão se justifica “como forma de luta democrática” e, por isto, é legítima. Para ele, luta social só é boa se causar “alteração da normalidade” – isto é, se transgredir a lei e a ordem! Na segunda instância, o desembargador José Luiz Germano, do Tribunal de Justiça de São Paulo, concedeu a reintegração e até criticou o vandalismo, mas deu um prazo de 60 dias para que os invasores desocupassem a Reitoria – tempo necessário, segundo ele, para que as “partes negociem”, na prática legitimando a invasão como meio de pressão.
Tal leniência, aliada a uma deformada teorização pseudointelectual sobre a legitimidade dos meios violentos, parece consagrar uma figura nova no arcabouço jurídico brasileiro: o direito à destruição. Não por outra razão, multiplica-se o terrorismo da minoria de desordeiros contra tudo e todos. Para isso contribui uma impassividade das forças de segurança (normalmente, as polícias; no caso do leilão do pré-sal, a Força Nacional), que se limitam a minimizar os estragos sem efetivamente deter os responsáveis. A demonização das polícias após episódios de excessos cometidos durante manifestações levou ao erro diametralmente oposto, em que há quase um medo de agir mais energicamente quando necessário, temendo a repercussão nas mídias sociais e na própria imprensa.
Trata-se de uma situação que precisa ser contida antes que o mal avance e escape definitivamente do controle. As consequências dessa legitimação jurídica do quebra-quebra são mais funestas do que se imagina: trata-se de um desmonte da sociedade por meio da aceitação da lógica revolucionária, segundo a qual o debate é substituído pela destruição pura e simples como meio de convencimento. É preciso retomar o controle e combater não apenas o vandalismo, mas a mentalidade que faz da violência um meio aceitável de ação pública. Instrumentos legais não faltam. Parece faltar é consciência por parte das autoridades responsáveis.
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