Em vez de contestar tecnicamente, ponto por ponto, as afirmações do relatório do FMI, autoridades do governo brasileiro partem para a cantilena de sempre: criticar o órgão pelo que ele é
Nos anos 80, um dos inimigos preferidos das esquerdas era o Fundo Monetário Internacional (FMI). Criado a partir da conferência de Bretton Woods, junto com o Banco Mundial e o padrão-dólar para o comércio internacional, o FMI nasceu com a missão de fazer empréstimos em moeda estrangeira aos países com escassez de dólares para fazer importações. O órgão tornou-se alvo dos ataques de políticos, economistas e empresários que eram contra o governo porque, junto com o contrato de empréstimos, exigia um programa de austeridade fiscal e autorização para fazer auditorias nas contas do país.
Para implementar as exigências do Fundo, o governo era obrigado a apresentar uma carta de intenções, na qual se comprometia com políticas de combate à inflação, redução do déficit público, controle da dívida estatal e equilíbrio no balanço de pagamentos. Esse último ponto diz respeito ao balanço entre as entradas e as saídas de dólares do país que, segundo a cartilha do FMI, não podia ser deficitário eternamente.
Passado um período, o órgão enviava seus auditores ao país, para verificar as contas do governo e examinar o cumprimento das metas explicitadas nas cartas de intenção. Se o país não cumprisse o que ele próprio escreveu, o Fundo era implacável: cortava os empréstimos, colocava o país na lista negra e o mundo inteiro ficava sabendo dos maus indicadores econômicos nacionais. Tal situação prejudicava as relações com o resto do mundo, a taxa de juros dos empréstimos concedidos pelos bancos internacionais subia e o crédito era reduzido.
O argumento principal dos críticos do FMI era de que o órgão defendia os interesses do capitalismo internacional, suas políticas eram liberais e as medidas de austeridade fiscal e monetária conduziam à recessão e ao desemprego. Quando assumiu o governo, Lula teve a sorte de ver o Brasil ser inundado de dólares resultantes dos aumentos de preços das commodities exportadas; as reservas internacionais tiveram elevação expressiva e ele, que é um político astuto, quitou o saldo da dívida brasileira com o Fundo.
Lula, como seria previsível, fez grande estardalhaço dessa medida, anunciou ao mundo que o Brasil deixara a guilhotina do Fundo e agora não mais iria submeter-se às injunções do órgão. As esquerdas entraram em êxtase e Lula faturou popularidade política vendendo a ideia de que a quitação daquela dívida tivera origem em sua genialidade. Na prática, foi um mau negócio, pois a taxa de juros cobrada pelo FMI sobre os empréstimos era de 3% ao ano, quando o Brasil devia, e continua devendo, a outros bancos estrangeiros pagando taxa de juros muito maior.
O FMI perdeu o direito de auditar o Brasil e de exigir o cumprimento de metas econômicas, mas não perdeu o direito de fazer relatórios sobre o país. O órgão acaba de publicar suas impressões sobre o Brasil e, por mais que a presidente Dilma insista em dizer o contrário, também o FMI endossa o que todos já sabem: as contas públicas pioraram, o déficit fiscal nominal está aumentando, a dívida bruta está crescendo e, mesmo com as alterações na forma de calcular a dívida, Dilma terminará seu mandato com resultados piores do que quando assumiu.
Mas a principal crítica do FMI não é ao estado atual das contas – as quais, reconheça-se, não estão deterioradas –, mas à tendência das contas e dos indicadores. Para o Fundo, essa tendência é de piora e, mais cedo ou mais tarde, o país terá de impor medidas de austeridade, caso queira recuperar a saúde financeira. O equívoco cometido pelo governo é que, em vez de contestar tecnicamente, ponto por ponto, as afirmações do relatório do Fundo, algumas altas autoridades partem para a cantilena de sempre: criticar o órgão pelo que ele é.
Se o FMI está errado, o governo só teria a ganhar se expusesse com clareza onde estão os erros e as inconsistências do relatório. Se não age assim, o governo abre espaço para a crença de que o relatório está certo e, sem argumentos, volta-se conta os autores para tentar desacreditar as afirmações que eles fazem. Só que, em pleno ano de 2013, os tempos são outros e o FMI não é mais visto como um inimigo da pátria e muito menos um monstro a serviço do capitalismo internacional. O caso agora é que se trata de um simples relatório de análise econômica que deveria merecer um debate técnico de alto nível. Nada além disso.
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