[Fulano,] de repente hoje eu comecei a receber uma enxurrada de mensagens mencionando esta história.
Como você sabe, sou, evidentemente, talvez o cara mais suspeito
para tecer considerações sobre qualquer matéria que faça juízo de valor a
respeito de meu pai, especialmente em atos do seu governo.
Mas sobre este episódio, especificamente, não posso me furtar a lhe dizer, e com certeza absoluta, que o que está relatado é totalmente verdadeiro.
Até porque, veja você, calhou de eu estar presente no mencionado encontro.
Tinha acabado de vir do Rio, e fui direto para a Granja do Torto
ver os meus pais, como eu sempre fazia assim que chegava em Brasília.
Soube que o "Velho" estava reunido com o Havelange, no gabinete da
residência. Como sempre tivemos com ele uma relação muito cordial, me
permiti entrar para cumprimentá-lo e dar-lhe um abraço.
"- João e João! Esta reunião eu tenho que respeitar!", brinquei
irreverente, dele recebendo um carinhoso beijo. (Havelange sempre teve o
hábito de beijar os amigos). Ia, logicamente, me retirar, mas papai me
deixou à vontade:
"- Senta aí, estamos falando de futebol, que é coisa que você adora".
Fui logo sacaneando: "Vocês já descobriram um jeito de salvar o Fluminense?" (risos - os dois eram tricolores roxos).
"- Ainda não, mas vamos chegar lá. Estamos conversando sobre Copa do Mundo..."
Filho, neste momento, o Havelange está me sugerindo realizar a
próxima Copa do Mundo no Brasil e eu vou dar uma resposta a ele com o
seu testemunho: “Havelange, você conhece uma favela do Rio de Janeiro?
Você conhece a seca do nordeste? Você conhece os números da pobreza no
Brasil? Com essa realidade, você acha que eu vou gastar dinheiro com
estádio de futebol? Não vou! E, enfie essa tal de Copa do Mundo no
buraco que você quiser, que eu não vou fazer nenhuma coisa destas no
Brasil!
O Velho não concordava que o país despendesse quase um bilhão de
dólares (valor abissal para os números daquela época) para tentar
satisfazer o caderno de encargos da FIFA, principalmente diante do
quadro de enorme dificuldade financeira que o Brasil atravessava. Uma
situação cambial dramática, resultante de um aperto histórico na
liquidez internacional - taxa de juros internacionais de 22% a.a, barril
de petróleo a 50 dólares no mercado spot - agravada pela necessidade de
se dar continuidade a um importantíssimo conjunto de obras de
infraestrutura. Muitas delas iniciadas, diga-se de passagem, em governos
anteriores, mas que não poderiam ser paralisadas por serem realmente de
vital importância para a continuidade do nosso desenvolvimento.
Realmente, era contrastante com o que se fez (ou melhor, o que NÃO
se fez) nos governos seguintes: várias hidrelétricas, começando por
Itaipu - até hoje é a segunda maior do mundo, além de Tucuruí, Balbina,
Sobradinho, todas com as suas gigantescas linhas de transmissão;
conclusão da expansão de todas as grandes siderúrgicas (CSN, Usiminas,
Cosipa e outras - que fizeram o Brasil passar de crônico importador para
exportador de aço); conclusão das usinas de Angra 1 e 2; um programa
agrícola que permitiu que ainda hoje estejamos colhendo os frutos da
disparada de produção de grãos - graças à Embrapa, ao programa dos
cerrados e ao programa "Plante que o João garante"; um salto formidável
nas telecomunicações, até então ridículas; multiplicação da malha
rodoviária - a mesma, praticamente, na qual hoje ainda rodamos, só que
agora sucateada e abandonada; inauguração de dois metrôs: Rio e São
Paulo; instalação de vários açudes no sertão nordestino; a construção de
2.400.000 casas populares, mais do que toda a história do BNH até
então, e muito mais.
Isto é apenas o que eu me lembro agora, ao aqui escrever
rapidamente. Em resumo: naquela época, o dinheiro dos impostos dos
brasileiros, simplesmente, destinava-se ao desenvolvimento do país.
Mas, para concluir, já falando do presente: o que se está fazendo
com o povo brasileiro é simplesmente criminoso. Só que a roubalheira na
construção dos estádios é apenas a ponta do iceberg.
Só chamando um Aiatolá para dar jeito, mesmo.
Grande Abraço,
Paulo Figueiredo
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Obs.: 1 - Paulo Figueiredo é filho do ex-presidente João Figueiredo.
2 - Por dever de justiça, é de se ressaltar que o Presidente João
Figueiredo morreu pobre. Anos após morreu sua esposa, D. Dulce nas
mesmas condições. Seu filho Paulo, hoje trabalha como qualquer mortal e
nunca se teve notícia de qualquer negócio fantástico envolvendo seu
nome, nem tampouco, que enriqueceu no governo do pai.
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