Jornalista Andrade Junior

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O AUTISMO POLÍTICO

O AUTISMO POLÍTICO


Denis Lerrer Rosenfield

            O PT mudou e a sociedade brasileira também. O PT mudou, pois não mais segue os preceitos da “ética na política”, alterando as suas idéias e não mais se preocupando com a moralidade pública. O resultado prático das declarações de alguns de seus dirigentes é o desconhecimento completo de que está acontecendo, uma espécie de “autismo político”. A sociedade brasileira mudou, não mais aceita como antigamente infrações ao princípio da “ética na política”, exigindo dos nossos governantes um comportamento exemplar. Os brasileiros acreditaram no candidato Lula e no seu partido, não mais se satisfazendo, agora, com tergiversações, nem com demagogias.
            Acontece, contudo, que o “autismo político” se manifesta pelo desconhecimento dessa mudança na mentalidade brasileira, que já defende como bandeiras suas a moralidade, a liberdade e a democracia. A opinião pública não se mostra propícia a aventuras, como as que começam a ser propostas pelo agora deputado José Dirceu, por determinadas tendências do PT, pela CUT e por sua base mais claramente revolucionária como o MST. Ao sair da Casa Civil, o Dep. José Dirceu adotou um discurso marxista, baseado na luta de classes, sendo logo seguido por seus crentes, que esbravejaram contra as elites e criaram o fantasmático “golpe”, que estaria se esboçando. Em vez de assumirem suas próprias responsabilidades, adotaram esses dirigentes e grupos políticos uma estratégia de radicalização política, produzindo um bode expiatório, que teria a função de ocultar as mazelas do partido/governo dominante, e criando ainda condições para um populismo que teria como alvo final a política econômica.
            O discurso sobre as elites conservadoras que estariam tramando a instabilidade do governo não deixa de ser engraçado, não fosse trágico na situação atual. As elites, que criaram a instabilidade atual, são constituídas pelo governo atual, pelo PT e pelos partidos aliados. Ou seja, trata-se de uma luta interna ao PT e entre esse e seus aliados. O detonador de todo esse processo, o Dep. Roberto Jefferson era, naquele então, presidente do PTB, interlocutor privilegiado do Presidente Lula e do Ministro José Dirceu, além de outros próceres petistas. Chegou a ganhar um cheque em branco do próprio Presidente Lula e recebia ministros em sua casa. Os por ele denunciados são parlamentares do PP e PL, além da cúpula do próprio PT. As ditas ações desestabilizadoras da elite são do próprio governo e de seus partidos. A esquizofrenia política é galopante. O problema é que ela não é fruto de um comportamento individual, mas de uma coletividade política.
            Acreditava-se, pelo menos formalmente, que o PT teria, pelo menos no Campo Majoritário, feito o luto de idéias marxistas. Ora, o pragmático ex-ministro José Dirceu mostra agora a sua alma cubana. Imediatamente após sua queda, assume um discurso de combate fundado na “luta de classes”. O instrumental explicativo adotado foi o do marxismo, insistindo na divisão radical da sociedade em si mesma, no enfrentamento contínuo, que teria como desenlace a instalação de uma sociedade “socialista”, autoritária, no país. Só faltou combinar com uma boa parte do empresariado nacional, inclusive em setores financeiros, que tem elogiado a política governamental adotada. Luta de quem contra quem? Só se for de um fantasma com outro.
            Mas a imaginação é inesgotável, sobretudo para os que vivem em velhas concepções, embora necessariamente limitada em seu arcabouço. No discurso de posse da nova ministra Dilma Roussef, na Casa Civil, o Dep. José Dirceu a tratou de “camarada de armas”. Referência explicita a uma história comum e implícita aos mesmos objetivos que, por outros meios, continuariam a ser perseguidos. Quando “camaradas de armas” não lutaram, conforme foi afirmado, pela “redemocratização do país”, mas pela instauração de uma sociedade socialista, que teria em Cuba seu exemplo. A democracia não fazia parte de suas propostas, senão como meio para a realização de seus fins. Há uma nítida falsificação da história. Aliás, eles poderiam apresentar documentos de seus grupos guerrilheiros proclamando pela democracia, considerada universalmente, como fim em si mesmo. Seria uma contribuição importante para a historiografia brasileira.
            Se há um golpe em curso, só pode ser o do estelionato eleitoral. Se os responsáveis petistas quiseram dizer isto, estarão eles, na verdade, fazendo uma autocrítica, aliás muito salutar e  necessária. Infelizmente, não parece esse ser o caso. O que está em questão é uma manobra diversionista, que procura culpar o PSDB e o PFL pela crise atual. Ora, esses partidos foram espectadores do acontecido e, como quaisquer partidos, estão se beneficiando de uma situação inusitada há seis meses atrás, quando quase todos davam como certa a reeleição do Presidente Lula. Estão sendo, inclusive, comedidos e responsáveis, não aceitando esse tipo de provocação. O preocupante, contudo, é a ressurgência de cacoetes autoritários, como os que se baseiam nessas pseudo-explicações de “luta de classes”, de “elites” e de “golpe”. O seu correlato é uma espécie de criminalização da oposição, como se essa fosse um inimigo que deveria ser exterminado. Há uma nítida indisposição dessas elites petistas em lidarem com a democracia, com a unidade no dissenso.
            A sua expressão mais imediata é o fortalecimento dos elos do PT com os “movimentos sociais”, leia-se com propostas da esquerda autoritária, que tem na luta contra a economia de mercado e contra a democracia os seus eixos condutores. Assim fazendo, essa reconfiguração do PT miraria na política econômica do próprio governo petista, por ser essa “capitalista” e “neoliberal”. A autofagia se apresenta em toda a sua nudez. E ela, como dizia Nelson Rodrigues, será castigada.


Denis Lerrer Rosenfield

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