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A tal dívida histórica não encontra devedores vivos de quem possa ser cobrada. É tolice e é anti-histórico.
Tem sido dito que a política de cotas, raciais ou sociais, resgata uma dívida histórica. Dívida de quem? Dos brancos para com os negros e os índios, afirmará alguém com furor justiceiro. Pergunto: dos brancos assim, tipo todo mundo? Milhões de brasileiros descendem de europeus emigrantes de seus países de origem por injustiças que contra eles se praticavam. Nada tinham com a encrenca da escravidão aqui. Também são devedores? Muitos brancos portugueses foram enviados a contragosto para o desterro no Brasil, onde arribaram tão "pelados" quanto os índios. Seus descendentes também têm dívida a pagar? Segundo essa linha de raciocínio, sou conduzido a crer que eu teria uma dívida histórica a cobrar da Itália e que os descendentes dos desterrados portugueses teriam outra na velha terrinha, ora pois. Absurdo.
Tudo
que é dado tem um preço. Vejamos como se aplica essa constatação a uma
política de cotas. Quando uma universidade pública as estabelece, ela
está dando a determinado grupo social a possibilidade de acessar seus
cursos mediante notas inferiores às dos candidatos que não pertencem a
tal grupo. Trata-se de uma regalia custeada por concorrentes que não
integram o grupo privilegiado. A fatura da vantagem concedida vai para
aqueles que poderiam ter ingressado e não ingressaram. Isso é
inquestionável.
Quem
concorda com a lei de cotas, embora motivado por nobres intenções, olha
para um prato da balança da justiça e fecha os olhos para o outro. Vê o
beneficiado e desconsidera o prejudicado. Por quê? Não sei. Jamais
topei com um vestibulando do grupo fraudado que considere justa a adoção
das cotas. O apoio a tais políticas, concedido por quem nada tem a
perder com elas, é generosa barretada com o chapéu alheio. É dar
presente com o cartão de crédito dos outros. Não é justo. Nem honesto.
A
tal dívida histórica não encontra devedores vivos de quem possa ser
cobrada. É tolice e é anti-histórico. O que o Brasil tem é uma
necessidade de resolver seus desajustes sociais. Admitir que essa tarefa
existe implica assumi-la como dever moral da nação. Vale dizer, de
todos os brasileiros, como membros de uma sociedade que estampa infames
desníveis. A miséria, a ignorância, a falta de oportunidades não têm cor
de pele. O absurdo da lei de cotas é jogar no colo do estudante branco
da escola particular o ônus dessas correções. A responsabilidade maior e
a maior potencialidade material para combater tais desníveis é da
política, do Estado brasileiro, mediante instrumentos não
expropriatórios. Aliás, no que concerne à educação, a política de cotas
equivale a pretender resolver o problema de fundações de um prédio
nivelando seu telhado. Para cada formando pela política de cotas, todo
ano, em virtude das muitas deficiências dos ensinos Fundamental e Médio,
a base do sistema afasta do tecido social centenas de crianças cuja
educação está sob responsabilidade de quem? De quem pretende enxugar
gelo, em nome da justiça, com a lei de cotas.
Enchem
páginas de jornal as matérias sobre o péssimo nível de ensino no país, o
abandono dos cursos voltados para a educação e o quanto isso obsta
nosso desenvolvimento. A melhoria do ensino básico tem custo. E é mais
barato posar de justiceiro com os direitos alheios do que fechar as
torneiras pelas quais se esvaem recursos que deveriam servir para acabar
com a injustiça ali onde ela crava perversas raízes sobre o destino de
milhões de crianças.
Publicado no jornal Zero Hora.
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