Jornalista Andrade Junior

sábado, 18 de abril de 2020

"A politização de tudo, inclusive de pandemias, é incurável",

 por Alexandre Borges

O capitão Tom Moore levantou nesta semana o equivalente a R$ 100 milhões em doações para o Sistema Nacional de Saúde (NHS) britânico com uma ideia simples e encantadora: dar cem voltas num terreno ao lado de sua casa em dez dias, terminando em seu aniversário de 100 anos. Veterano da Segunda Guerra, Moore é uma lembrança viva do espírito daquela geração sem paralelo na história recente e dos melhores valores britânicos.
O ato solidário de Moore é também uma prova da antiga relação de amor dos súditos da rainha com seu sistema de saúde, tema que costuma liderar as preocupações dos eleitores segundo as pesquisas de opinião. Para o The Guardian, o principal jornal de esquerda do país, “o NHS é o mais próximo que a Inglaterra tem de uma religião”. Iniciado em 1948, o mais notório sistema de saúde pública do mundo acrescentou nos últimos dias ao currículo o sucesso no tratamento do primeiro-ministro Boris Johnson.
Se o descabelado líder do Partido Conservador e do Brexit agora está bem, o mesmo não se pode dizer das narrativas criadas em torno de sua infecção pelo coronavírus. A politização de tudo, até de pandemias, é incurável. O espaço é curto para lidar com todas as mentiras e meias-verdades que infectaram o noticiário sobre o caso, mas, como Boris Johnson agradeceu em seu último discurso não apenas ao NHS mas também a dois enfermeiros imigrantes pelo atendimento, o circo estava armado para a palhaçada ideológica.
A primeira narrativa fabricada, para a surpresa de ninguém, foi ironizar um conservador recebendo cuidados médicos num sistema de saúde pública. O fato de políticos utilizarem os mesmos serviços que o cidadão deveria ser comemorado nas ruas, mas a ideologia vai sempre falar mais alto para os mercadores de bordões.
Aos fatos: a privatização do NHS não esteve na pauta nem de Margaret Thatcher, muito menos na de Boris Johnson, um entusiasta e apoiador do sistema desde sempre. A Dama de Ferro, uma privatista inspirada na economia pelo austríaco Friedrich Hayek, certamente leu em O Caminho da Servidão que, num país desenvolvido, não há nenhuma incompatibilidade entre o fornecimento de serviços públicos básicos de saúde e o liberalismo clássico. Mesmo para Hayek, ícone da direita liberal do século XX, não há nada de comunista no NHS.
É claro que não faltam críticas ao NHS, o que inclui as filas de espera para atendimento, a baixa qualificação e treinamento dos profissionais, os hospitais lotados (especialmente no inverno), as filas para procedimentos cirúrgicos e tudo o que se espera num empreendimento estatizado como esse — e é perfeitamente possível argumentar que o Reino Unido estaria melhor com um sistema privado como o americano.
Outro problema comum a qualquer sistema de saúde público é tirar o poder de decisão do paciente, de seus familiares e médicos sobre o tratamento, entregando-o aos burocratas do governo, o que leva o cidadão a terceirizar seu destino e o de sua família, em última instância, para o Estado. Além de todas as aberrações comuns a esse tipo de atividade no mundo, algumas unidades geridas pelo NHS foram flagradas em 2014 incinerando fetos abortados sem autorização das famílias, num mecanismo macabro de reciclagem que queimou quase 16 mil corpos em dois anos.
Os opositores ao governo Boris Johnson, eleito em 2019 para finalmente concluir as negociações da saída da União Europeia depois de três intermináveis anos do referendo, não estavam satisfeitos. Ao ouvirem o pronunciamento do primeiro-ministro em agradecimento a dois enfermeiros estrangeiros pelos cuidados durante a internação, o português Luís e a neozelandesa Jenny, disseram que ele foi salvo por gente que não queria no país, outra mentira absurda.
O Brexit, que endurece algumas regras de imigração e a concessão de vistos permanentes a estrangeiros, foi um grito de libertação do povo britânico pela volta da soberania nacional e pelo direito inalienável de qualquer nação independente poder decidir, dentro das regras democráticas e através de seus representantes eleitos, as principais questões políticas da nação — entre elas, evidentemente, a imigração. Nada indica que estrangeiros como Luís e Jenny não serão bem-vindos na Inglaterra, antes ou depois do Brexit.
A despeito das narrativas que tentam criar muito barulho por nada, o NHS não vai a lugar algum e seu fim não esteve nem está em discussão, muito menos sua manutenção é incompatível com um governo conservador que tem, entre as características essenciais, a preservação do que existe de mais amado por um povo para as próximas gerações. O NHS pode e deve ser melhorado sempre, mas a epidemia de imposturas ideológicas ainda não tem remédio.

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Alexandre Borges é diretor do Instituto Liberal, podcaster e analista político. Seu canal no YouTube, Imprensa Livre, teve mais de 2 milhões de views no segundo turno da eleição de 2018. É também analista político e colunista de Veja, da Gazeta do Povo e autor contratado da Editora Record. Na Rádio Jovem Pan, foi apresentador do programa 3 em 1, líder de audiência no segmento.

Revista Oeste


















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