J.R. Guzzo
O presidente Jair Bolsonaro não está satisfeito, nem um pouco, com os inimigos que já tem fora do governo; quer guerra, cada vez mais, com os inimigos que imagina estarem dentro. Como não pode demitir os primeiros, sai à caça dos segundos. Lá se foi para o espaço, agora, o ministro Sérgio Moro, o homem mais popular do seu governo e do Brasil. É um choque. Há muito tempo, é verdade, todo mundo sabe da implicância crescente, das cismas e dos ciúmes mal resolvidos de Bolsonaro em relação a seu ex-ministro da Justiça. Mas, com o passar do tempo e a chegada do coronavírus, parecia que a ideia do “Mata Moro” tinha caído no arquivo morto. Não tinha.
De todas as calamidades que o presidente vem empilhando para si próprio, uma em cima da outra, nada se compara ao que acaba de fazer com o fuzilamento público de Sérgio Moro. Ele vinha sendo nestes últimos 16 meses, bem ou mal, o principal fiador do governo junto à opinião pública; enquanto estivesse lá, nada estaria perdido. Não era o único – um núcleo de ministros competentes tem sido uma espécie de certificado de garantia para a gestão Bolsonaro. Mas o nome presente na mente e no coração do eleitorado, no dia a dia, é Moro. Bolsonaro dispensa, assim, quase todo o apoio que poderia ter fora do bolsonarismo raiz, das “redes sociais” e da praça pública. Agora é o “eu e a minha turma; vocês vão ter de me engolir”.
Detonar o seu principal avalista já seria ruim o suficiente, mas o ato que forçou a saída de Moro – a demissão do diretor da Polícia Federal, Maurício Valeixo – conseguiu jogar mais gasolina na fogueira. O decreto de exoneração publicado no Diário Oficial diz que a demissão de Valeixo foi a pedido. Não foi. Traz o nome de Moro abaixo do de Bolsonaro. Moro disse que não assinou nada. Para completar, as declarações do ministro ao anunciar sua saída foram a pior acusação já feita até agora sobre o caráter destrutivo com que o presidente age no exercício do cargo.
Moro revelou que Bolsonaro estava exigindo dele a demissão de Valeixo porque queria colocar no comando da PF uma pessoa de sua confiança, com quem pudesse despachar pessoalmente, falar ao telefone e pedir relatórios sobre investigações. Para que isso? O presidente pode chamar qualquer dos seus ministros quantas vezes quiser, mas não pode tratar diretamente com um subordinado deles. Se for assim, para o que serve o ministro? Moro lembrou uma realidade devastadora: imaginem se durante a Lava Jato a então presidente Dilma Rousseff ligasse para o diretor da PF, ou para o superintendente em Curitiba. Não pode – está na cara que não pode. Mas Bolsonaro quer fazer o que Dilma nunca fez. Em matéria de fundo do poço, é realmente o que há.
Bolsonaro, segundo Moro, disse que estava fazendo, sim, uma “interferência política” na PF – ou seja, deu a entender que a partir de agora a polícia não tem de fazer o que é certo, mas o que o presidente manda. As consequências disso são “imprevisíveis”, disse Moro. Ele mesmo confessou ao ex-ministro que estava preocupado com investigações em andamento no Supremo – e que por isso era “oportuna” uma troca na PF. Pior: disse que pretende demitir e nomear superintendentes da PF nos Estados. Citou, especificamente, o caso de Pernambuco. De novo: por quê? O que está acontecendo em Pernambuco?
Bolsonaro, em seu discurso de explicações, disse que nada do que Moro conta é bem verdade, e que perdeu a confiança nele; o público vai decidir, a seu tempo, em quem acredita. Nada disso, é claro, melhora a qualidade dos inimigos do presidente. Mas Bolsonaro não precisa deles. Seu problema é sobreviver a si mesmo.
O Estado de S.Paulo
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