por J.R. Guzzo
Na explosão nuclear da demissão de Sérgio Moro, como todos puderam ver, o presidente Jair Bolsonaro contou um conto e o ex-ministro da Justiça contou outro. Bolsonaro diz uma coisa e Moro diz o contrário; como tudo o que ambos disseram ao público é fruto de conversas a dois, sem testemunhas e sem fitas gravadas, fica impossível saber com precisão o que é verdade, o que não é verdade e o que pode ser livre interpretação da verdade por parte de cada um. Resultado: não dá para saber o que de fato aconteceu, e a questão toda, no fim das contas, se resume a um ato de fé – acredite em quem você quiser. O que dá para fazer é olhar para as realidades que podem ser verificadas, e tentar estabelecer a chamada “verdade possível” dentro da história que cada um dos dois contou, com seis horas de diferença, no mesmo dia. Abaixo, um resumo de alguns dos fatos básicos que vieram à luz com os relatos do presidente e do ex-ministro.
O CONTO DE BOLSONARO
♦ Segundo Bolsonaro, a demissão do diretor da Polícia Federal, Maurício Valeixo, na manhã da sexta-feira, dia 24 de abril de 2020 – o motivo da explosão toda – foi feita a pedido do próprio Valeixo. Foi isso o que o Diário Oficial publicou na sua edição da sexta-feira: “exoneração a pedido”. Bolsonaro diz que o diretor estava cansado e queria mesmo sair. Se queria mesmo, é fato que ele não disse a ninguém, oficialmente e de forma pública, que queria. Não existe nenhum documento assinado por Valeixo pedindo a própria demissão.
♦ O decreto que o Diário Oficial publicou com a “exoneração a pedido” traz, no espaço reservado à assinatura, os nomes de “Jair Messias Bolsonaro” e “Sergio Moro.” É fato, também verificado, que o ministro não assinou esse decreto.
♦ Bolsonaro afirmou que Moro disse a ele, numa conversa entre os dois, que aceitaria demitir o diretor da Polícia Federal, mas só em novembro – depois que o presidente o indicasse para a vaga no STF que vai ser aberta com a aposentadoria do ministro Celso de Mello. Ao negar a demissão agora, e em vez disso demitir-se ele próprio do seu cargo no governo, Moro tornou materialmente impossível à sua ida para o Supremo. Não existe explicação objetiva para esse fato.
♦ Bolsonaro não apresentou, em seu relato, o motivo pelo qual a demissão do diretor da PF foi feita durante a madrugada da sexta-feira, para ser publicada naquela manhã mesmo no Diário Oficial. Se estavam todos de acordo em relação à saída de Valeixo, não há razão para esse procedimento de urgência. O diretor teria mandado para o presidente o seu pedido de exoneração, Moro teria colocado a sua assinatura no decreto e tudo ficaria resolvido no horário de expediente normal.
♦ O presidente cita como exemplo da indisciplina de Moro como ministro o fato de ter nomeado para um dos conselhos do Ministério da Justiça uma partidária da “flexibilização” da legislação antidrogas e do aborto. No caso apontado, a realidade comprova que houve, ao contrário, disciplina por parte de Moro, pois ele atendeu a queixa de Bolsonaro e revogou a nomeação que tinha acabado de fazer.
♦ Bolsonaro fez elogios à Polícia Federal e agradeceu a proteção que recebeu dos seus agentes quando era candidato, como determina a lei. Disse, inclusive, que deve a eles a sua vida. Ao mesmo tempo, e no mesmo relato, o presidente lamenta o resultado nulo nas investigações da PF sobre a tentativa de homicídio de que foi vítima em Juiz de Fora.
O CONTO DE MORO
♦ O ex-ministro afirmou que Bolsonaro fez um acordo com ele, dando-lhe “carta branca” e autonomia na condução do Ministério da Justiça – e, depois, não cumpriu o prometido. Essa independência é algo impossível. Moro sempre soube que um cargo no governo não é a mesma coisa que uma Vara da Justiça Criminal, onde a lei assegura a autonomia integral do juiz. Ministro é cargo 100% político e como tal está obrigatoriamente subordinado às variações da política e à direção geral do presidente.
♦ Moro disse em seu relato que houve, por parte do presidente, interferência em investigações feitas pela PF. Isso é crime. O Código Penal proíbe qualquer pressão exercida sobre funcionário público no cumprimento do dever. Em seus quinze meses como ministro da Justiça, Moro nunca denunciou esse delito. É fato, apenas, que não tomou nenhuma providência legal a respeito, e só revelou isso na manhã de sexta-feira.
♦ O ex-ministro sustentou que a Polícia Federal é neutra. O que a lei determina é que a polícia, federal ou qualquer outra, combata o crime. A PF, sob o comando de Moro, não obteve nenhum resultado nas investigações sobre a tentativa de homicídio que o presidente sofreu em Juiz de Fora. Não é um crimezinho qualquer: um sujeito, identificado, preso em flagrante e desde então na cadeia, tentou assassinar um candidato oficial à presidência da República. A solução do caso é uma prioridade. Não há fato algum indicando que foi, em qualquer momento que decorreu entre janeiro de 2019 até hoje.
Revista Oeste
extraídaderota2014blogspot
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