Jornalista Andrade Junior

segunda-feira, 20 de abril de 2020

"Os fatos políticos pós comício",

por J.R Guzzo

O presidente Jair Bolsonaro sabia perfeitamente bem o que estava fazendo quando resolveu ir à manifestação pública de domingo, em frente ao Quartel General do Exército em Brasília, quando uma multidão de tamanho até agora não contabilizado precisamente pediu, com carro de som, faixas e tudo mais, o fechamento do Congresso, a eliminação do Supremo e a intervenção militar “já”. 
Sabia que “a pauta” da manifestação, como se diz hoje, seria essa mesmo, e poderia muito bem não ter comparecido – mas não apenas compareceu, como subiu na carroceria de uma caminhonete e falou ao público. 
Em suma: Bolsonaro, por sua livre e aberta vontade, tornou-se participante ativo de um ato público contra a Constituição.

• O presidente também sabe muito bem que a sua participação iria provocar indignação em modo extremo na classe política, nos meios de comunicação e no resto do mundo que não gosta dele. 
Bolsonaro, obviamente, acha que tem a ganhar com isso. 
Quis, de caso pensado, jogar gasolina na fogueira que está aí – pode até não ser grande coisa como fogueira, pelo menos por enquanto, mas foi gasolina.

• O que o presidente falou de cima da sua caminhonete não foi para buscar um melhor entendimento com o outro lado. 
“É preciso acabar com essa patifaria”, disse ele. 
“Não vamos negociar nada”. Enfim: “Esses políticos têm de entender que quem manda é o povo”. 
Suas palavras foram as de alguém que está disposto a dar a impressão de que topa ir para a briga, e não de quem está propondo uma negociação.
• Bolsonaro, com o incentivo da parte do seu governo que acha uma boa ideia “ir para o pau”, embora ninguém saiba dizer com mais detalhes o que seria esse “pau”, mostrou que quer mesmo apostar no apoio da massa popular – cuja maioria ele acredita que esteja a seu favor e contra os políticos – para enfrentar o conflito aberto em que está metido com o Congresso e os altos tribunais de justiça do país. 
Não acha suficientes os aliados que tem hoje nos dois outros poderes; quer colocar o povo (que, como ele diz, “é quem manda”) diretamente na disputa. 
Povo na rua, com frequência, faz político baixar o facho – mesmo porque nunca é a favor dele.
• O presidente parece convencido, também, de que conta com o pleno apoio das Forças Armadas nessa briga; não mostra a menor preocupação com a possibilidade de que os militares venham, em qualquer duelo de verdade, a ficar do lado dos seus inimigos. 
O Exército, com certeza, não fez nenhum esforço sério para dissuadir os organizadores da manifestação do domingo de armar o comício em frente ao seu Quartel General. 
Se tivesse feito, a coisa simplesmente não teria acontecido ali. 
Em suma: as versões de que o gesto de Bolsonaro foi reprovado pelos militares está mais no mundo dos desejos de seus adversários do que no mundo dos fatos.

• Não houve até agora nenhum sinal de que multidões, de qualquer tamanho, estejam dispostas a ir para a rua em defesa do deputado Rodrigo Maia, do presidente do Senado ou do ministro Gilmar Mendes e seus colegas do STF. 
Vão ter o apoio dos editoriais, das declarações de personalidades e da “comunidade internacional” – mas da população nacional, a que existe de verdade à sua frente, nem pensar. 
Todos eles sabem disso. Bolsonaro também. 
Os militares também.

• O presidente, já no dia seguinte, fez o que se poderia esperar que fizesse: disse que não quer fechar o Congresso, nem o Supremo, pois essas coisas não podem ser aceitas numa democracia. 
E a “pauta” do comício? 
Coisa de gente infiltrada no meio do povo bom, disse Bolsonaro. 
Vive acontecendo, não é mesmo? 
As pessoas estavam apenas se manifestando em favor da volta ao trabalho suspenso pela quarentena e em apoio do seu presidente. 
Nenhuma novidade em nada disso. 
Num dia você vai. 
No outro você volta. 
Diz que “vai encarar” e, ao mesmo tempo, que quer paz. Quanto ao futuro – bem, é o futuro. Depois se vê.
• Não há a possibilidade prática de que o presidente dê um golpe de estado para se tornar mais presidente do que já é. Está imensamente frustrado com as dificuldades que o mundo político cria para o seu governo e os seus projetos. Pode estar preocupado com as suas chances de reeleição. 
Não gosta do Congresso, nem no STF, nem do desastre econômico que imagina ter pela frente. 
Mas não pode fazer o que a manifestação do domingo quer que se faça; não tem meios para isso, muito simplesmente. 
Se Bolsonaro quer ou não quer fechar os dois outros poderes, depor os governadores, etc. etc., e implantar uma ditadura, como acusam seus inimigos, é irrelevante – não dá para fazer nada disso, e pronto.

• O barulho pelo “impeachment” deve crescer muito, mas fazer mesmo o “impeachment” na vida real são outros 500. 

Achar que basta, para derrubar Bolsonaro, que o deputado Rodrigo Maia aceite uma das denúncias que vai receber pedindo a abertura do processo, é enganar-se a si próprio e tentar enganar os outros. 

É preciso, em primeiro lugar, que o presidente da República tenha cometido um crime – e falar numa manifestação como a do domingo não é crime. 

Pode ser uma porção de coisas; mas crime não é, ou será muito difícil provar que é. 

Em seguida, é preciso que três quintos dos 513 deputados e 81 senadores decidam que houve o tal crime e votem a favor da deposição do presidente. 

Eles só farão isso se acharem que vão ganhar muito; com certeza, ninguém está lá para ajudar alguma causa ou interesse do vizinho.

Revista Oeste

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