Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 29 de abril de 2020

POR DITADURA OU DEMOCRACIA?

 por Fábio Cardoso Machado.

FOTO ANDRADE JUNIOR
É natural que o establishment reaja quando cidadãos levantam cartazes clamando pelos militares. E era de se esperar que os últimos episódios chamassem mais atenção pela suposta cumplicidade do Presidente da República do que pelas razões da revolta daqueles poucos que gritaram contra certas instituições republicanas. Mas também merecem alguma atenção a reação de algumas autoridades e o que está por trás das manifestações.
Ministros do STF afirmaram que os ares são democráticos, que as instituições estão funcionando e que é hora de defender a ordem constitucional. Governadores, parlamentares e associações de representação de magistrados e advogados saíram em defesa da ordem democrática. Mas será que os manifestantes, e outros milhões de brasileiros que neles se reconhecem, concordam que os ares são mesmo democráticos e as instituições estão funcionando? Será que esses cidadãos querem mesmo a derrocada da democracia, ou conclamam os militares por acreditarem que o que vivemos é, na verdade, um simulacro de democracia?
Seria muito auspicioso ver as nossas autoridades refletirem sobre isso, ao invés de apenas reprovar os manifestantes do alto de toda a sua habitual soberba. Poderiam talvez se perguntar se os brasileiros se sentem representados pelo Congresso Nacional e se pensam que o Supremo Tribunal Federal cumpre o papel institucional que deveria ter em uma verdadeira democracia constitucional.
Pesquisas indicam que o índice de confiança da população nas forças armadas é consideravelmente maior do que o das chamadas instituições republicanas. Já os índices de confiança no STF, no Congresso e nos partidos políticos são bastante baixos. Não há, evidentemente, problema nenhum na constatada confiabilidade das Forças Armadas. Mas a baixíssima credibilidade do Parlamento e da nossa Corte Constitucional são extremamente preocupantes, e podem indicar que algo esteja muitíssimo errado com essas essenciais instituições republicanas.
As pesquisas não chegam a esclarecer as razões dos baixos índices de confiabilidade. Mas certamente a população teria muito mais facilidade em se sentir representada pelo Congresso Nacional se não fossem o histórico de corrupção, a habitual negociata de votos, a prevalência do oportunismo político e a incapacidade de avançar eficazmente nas reformas de que o Brasil tanto precisa. O STF, por sua vez, jamais teria alcançado a rejeição atual se funcionasse melhor no combate à corrupção e ao crime em geral, e se os seus magistrados tivessem mais pudor e sobriedade, evitando o protagonismo político, a exposição midiática e a incursão permanente em todos os assuntos que importam à nação, como se todas as decisões coubessem ao Judiciário e nunca importassem as respostas das demais instituições democráticas, incluindo o próprio Congresso.
Quem valoriza o Estado de Direito, a democracia e a estabilidade constitucional não pode, é claro, se deixar levar pelo arriscado caminho da ruptura da ordem. Pedir intervenção militar esperando receber democracia é uma tolice e uma irresponsabilidade. Mas também não podemos desprezar os perigos de um regime que, no extremo, tem apenas a aparência de uma democracia constitucional.
Se, no grave momento que vivemos, nossos parlamentares e juízes estivessem mais preocupados com o que importa à população e, ao invés de só repudiar os manifestantes, se insurgissem contra as arbitrariedades que começam a se multiplicar por todos os lados, certamente recuperariam um pouco da credibilidade perdida e contribuiriam para amenizar o risco de ruptura que vem da percepção de uma democracia de faz de conta. Se percebessem que as manifestações, apesar dos excessos, são, no fundo, por democracia e não por ditadura, e que o apelo aos militares vem, na verdade, de uma escassez de liberdade e de ordem, provavelmente ninguém precisar estar preocupado com o fantasma do autoritarismo.
*  Doutor em Ciências Jurídico-Filosóficas pela Universidade de Coimbra. Mestre em Direito pela UNISINOS. Professor da Escola de Direito da PUCRS. Advogado em Porto Alegre.



















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