editorial do Estadão
O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), não titubeou em
afirmar que o julgamento das ações relativas ao auxílio-moradia depende
da concessão do aumento de 16,38% do salário dos ministros do Supremo, o
que envolve elevar o soldo de toda a magistratura nacional. A falta de
compostura avança, impávida.
“Os juízes não receberão cumulativamente recomposição e auxílio-moradia.
Tão logo implementada a recomposição, o auxílio cairá”, disse o
ministro Luiz Fux, que é o relator das ações que tratam do
auxílio-moradia no STF. A mencionada “recomposição” é o aumento de
16,38% no salário dos ministros do Supremo, aprovado na semana passada
pelo Senado Federal e encaminhado para a sanção do presidente Michel
Temer.
Como não foi previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2019, o
aumento de 16,38% é ilegal e merece o veto presidencial. A Carta Magna,
no § 1.º do art. 169, exige que a concessão de qualquer aumento de
remuneração pelos órgãos da administração direta ou indireta deve ter
prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de
despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes e contar com
autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias. Não é o caso
do aumento do salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
Já seria, portanto, um acinte que algum integrante da Suprema Corte
defendesse a concessão do aumento do próprio soldo aprovado à revelia de
regras expressas da Constituição. O papel do Supremo é precisamente
guardar a Constituição, e não incentivar o seu descumprimento. Se o
Congresso aprovou um projeto de lei que não atende aos requisitos
constitucionais, não cabe ao Supremo estimular que prevaleça o tal
projeto em detrimento do que prevê a Constituição.
No entanto, o ministro Luiz Fux foi além. Sem maiores pudores, ele
deixou claro que as ações relativas ao auxílio-moradia de juízes e
procuradores estão prontas para serem julgadas, o único óbice seria a
concessão do aumento de 16,38%. “Tão logo implementada a recomposição, o
auxílio cairá”, disse o ministro.
É uma desfaçatez com a população - que há muito tempo não vê aumento de
seus salários ou que perdeu o emprego e encontra dificuldades para se
recolocar - que um ministro do STF diga que só realizará o seu trabalho
de julgar as ações quando receber o aumento de 16,38%. Como agravante do
caso, a demora no julgamento das ações do auxílio-moradia beneficia
diretamente sua categoria profissional.
Essa história tem um aspecto ainda mais esquisito. O relator admitiu
que, uma vez que as ações forem a julgamento pelo STF, o auxílio-moradia
de juízes e procuradores cairá. Assim, o ministro Luiz Fux reconheceu
que o pedido formulado nessas ações não tem fundamento. Não cabe
conceder irrestritamente o imoral auxílio a todos os juízes e
procuradores e, portanto, assim que forem julgadas as ações, o auxílio
cairá.
No entanto, o ministro Luiz Fux, que agora admite com muita franqueza
que o auxílio-moradia cairá tão logo for a julgamento, foi quem estendeu
o pagamento da benesse a todos os juízes e procuradores do País
mediante liminar concedida em 2014. Se agora é certo que o
auxílio-moradia deve cair, qual foi a razão para conceder a liminar de
quatro anos atrás?
As decisões monocráticas sobre o auxílio-moradia custam ao País uma
verdadeira fortuna. Apenas nos primeiros oito meses de 2018, o benefício
pago aos magistrados custou aos cofres públicos R$ 973,5 milhões.
Segundo a Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara
dos Deputados, a despesa mensal com o auxílio-moradia dos juízes é de R$
139 milhões, em média. Há mais de quatro anos que o contribuinte banca
esse gasto por força de liminar cujo relator reconhece agora que as
ações serão julgadas improcedentes.
A única condição para tanto é que todos os juízes tenham antes o aumento
de salário. Que o presidente Michel Temer vete o projeto de lei
inconstitucional e que o Supremo Tribunal Federal julgue as ações do
auxílio-moradia. A coisa pública merece um mínimo de moralidade.
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