Se alguém tiver a curiosidade de ler algumas consultas feitas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) há alguns anos, verá que os novos partidos, principalmente, o Solidariedade e o Pros, podem se tornar uma carta de alforria destinada àqueles que se incomodam com a fidelidade partidária. Em tese, se for levada ao pé da letra a resposta do ministro Ricardo Lewandowski à consulta 1.695/2009, basta o congressista irritado com a fidelidade partidária buscar um desses partidos que se tornará senhor absoluto do mandato, se quiser deixar a nova legenda. Assim, esses partidos recém-chegados servirão apenas como um meio de transporte para que o deputado possa se filiar logo depois onde bem entender, sem ser incomodado.
Lewandowski, obviamente, não tratava de nenhum caso específico ao relatar a consulta, feita pelo então deputado Rodrigo Rollemberg (PSB-DF). Mas a resposta do ministro, segundo especialistas em direito eleitoral, traz um entendimento claro e uma tese perturbadora, dada a profusão de novos partidos. Resumindo, em seu voto, o ministro cita que, respeitada a justa causa da desfiliação partidária, não há como um novo partido reclamar o mandato do deputado. E baseia a tese nas decisões anteriores não só do TSE como também do Supremo Tribunal Federal.
Diz Lewandowski que, ao analisar mandados de segurança a respeito de fidelidade partidária, o STF “teve em conta o partido originário e o eleitor”, mas diz que o caso de suma importância já tem um entendimento no tribunal. “Conforme esse entendimento, filiado a outro partido pelo qual não se elegeu, não há que se falar na possibilidade de a nova agremiação requerer o cargo. (…) É possível que o parlamentar se desfilie de partido sem que reste carecterizada a possibilidade de decretação de perda do cargo por infidelidade partidária a que se refere o normativo, que tem aplicação restrita à relação partidária existente no momento das eleições”, diz o texto, que leva a assinatura de Lewandowski.
Se a tese valer para todo e qualquer caso, explica-se a migração tão repentina de deputados a partidos desconhecidos e sem identidade ideológica. É que, assim que se filiarem ao novo partido, eles podem pular para outra estação sem serem incomodados. Ou seja, quem ingressou no PEN, ou mesmo no PSD, pode perfeitamente usá-los como um trem capaz de levar um deputado a qualquer estação.
Obviamente, Rollemberg não tinha a menor ideia do que estava criando ao fazer a consulta, há quatro anos. Ele queria apenas saber o que poderia ocorrer diante da seguinte situação: o parlamentar é eleito pelo partido A que, posteriormente, é incorporado ao partido B. Inconformado com a incorporação, o parlamentar se desfilia e ingressa no partido C. Dada essa hipótese, ele pergunta se “o parlamentar poderia se desfiliar do partido C, sem perder o mandato, para ingressar num novo partido, considerando que o partido C não é aquele pelo qual se elegeu originalmente?”. Outra pergunta: qual partido teria legitimidade para reclamar a vaga: o partido pelo qual originalmente se elegeu ou o partido do qual o parlamentar se desfiliou por último? Obviamente, segundo alguns especialistas, a tese vale também para novos partidos.
Enquanto isso, no Congresso…
A sorte é que muitos políticos só se deram conta dessa tese — e da possibilidade da carta de alforria — esta semana, quando faltam menos de dez dias para o fim do prazo de filiação partidária. Se houvesse mais tempo, talvez mais de 60% do Congresso pegassem um trenzinho desses aí só para ficarem donos dos próprios mandatos.
Essa perspectiva no futuro nos deixa a certeza de que, se os partidos tradicionais não tomarem providências no sentido de clarear a legislação sobre filiação partidária, certamente a “bagunça” ficará pior. Agora, os deputados podem levar fundo partidário e tempo de tevê às novas legendas. Se ingressarem nesses partidos nesta terça-feira e saírem amanhã, como fica? Carregam a fração com eles ou deixam a título de “indenização” ou “partilha de bens” ao novo partido? Essas perguntas ainda não têm resposta, até porque essa história está em construção. A semana ainda guarda muitas emoções e, diante dessa tese, fica mais pesado ainda.
E o Lula, hein?
Ele é esperado amanhã na filiação partidária de Josué Gomes da Silva, filho do falecido ex-vice-presidente José Alencar. Josué chega ao PMDB pelas mãos de Lula e de Michel Temer para tentar enfraquecer o senador Aécio Neves em Minas Gerais. Daí, a festa de hoje. Mas essa é outra história.
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