O real, a rua e o governo - EDMAR BACHA
O Real completa 19 anos
em meio a enormes manifestações populares nas ruas brasileiras. O
estopim para os protestos foram os reajustes em junho dos preços das
passagens dos ônibus no Rio e em São Paulo, normalmente feitos em
janeiro ou fevereiro. O objetivo do governo federal com o adiamento dos
reajustes foi tentar impedir que a alta dos preços superasse no início
do ano o teto de 6,5% da meta de inflação. Apesar de ter vindo
acompanhado de controles do governo sobre os preços da energia e da
gasolina, de nada valeu aquele adiamento, pois o teto da meta de
inflação estourou de qualquer jeito em março.
Durante a preparação do
Plano Real, há 19 anos, eram intensas as pressões sobre o ministro da
Fazenda e sua equipe para congelar os preços quando da introdução da
nova moeda. A equipe econômica resistiu com sucesso a essas pressões
arguindo com o fracasso do Plano Cruzado, que foi baseado no
congelamento de preços e salários.
O real pôde então ser
criado como uma moeda na qual os preços refletiam livremente seus custos
e não a vontade dos governantes de mantê-los artificialmente baixos.
O atual governo parece
haver esquecido essa lição, ao tentar inutilmente reprimir a inflação
com controles de preços e desonerações fiscais. O ministro da Fazenda
inventou uma tal de "nova matriz macroeconômica" que supostamente
permitiria fazer a quadratura do círculo, evitando que os preços
subissem apesar da expansão descontrolada do crédito e dos gastos do
governo. A presidente da República, por sua vez, somente permitiu que o Banco Central aumentasse
tardiamente os juros quando as pesquisas de opinião pública mostraram
sua popularidade em rápido declínio por causa da inflação alta,
colocando em risco sua reeleição.
A repressão pelo governo
dos preços administrados vem minando a saúde financeira da Petrobras,
da Eletrobras e das demais concessionárias de serviços públicos. Apesar
disso, o povo nas ruas pede "passe livre" e isso não somente para os
transportes públicos. Por enquanto, a resposta dos governos foi cancelar
os reajustes dos preços dos ônibus e metrôs.
Mas de sua tribuna na
presidência do Senado, Renan Calheiros apresenta um projeto de lei para
dar, Brasil afora, passe livre nos ônibus para os estudantes.
A demagogia ameaça correr solta em Brasília.
Sempre antenados, os
investidores tratam de se livrar das ações das concessionárias de
serviços públicos, ao antecipar que doravante será difícil manter os
reajustes de preços programados.
Nesse ambiente
conturbado, cabe perguntar o que acontecerá com os leilões de concessão
de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos programados para o fim do
ano. Será que grupos empresariais sérios se candidatarão a adquirir
concessões que já vêm com o rótulo da "modicidade tarifária", quando a
demanda das ruas é por tarifas menores do que as atuais? Esse
encolhimento dos investidores ajuda o dólar a disparar e se agrega à
alta dos juros para piorar as perspectivas da economia.
A consequência provável é
que os pibinhos que se vêm se manifestando desde 2011 continuarão a
mostrar sua cara feia neste e no próximo ano. Não é só a cara, o nome
também é feio: trata-se da estagflação, uma combinação de estagnação com
inflação.
O governo colhe os
frutos de se ter comportado como o proverbial aprendiz de feiticeiro.
Brincou com a inflação que tanto custou a ser contida há 19 anos, ao
promover uma expansão descontrolada do crédito dos bancos públicos e dos
gastos governamentais, ao postergar os reajustes dos preços controlados
e ao não deixar o Banco Central atuar a
tempo para conter a alta dos preços. Agora terá que lidar não só com as
novas demandas populares mas também com a estagflação que ronda a
economia.
Resta-nos torcer para que o despertar do Brasil que se manifesta nas ruas de todo o país produza tempos melhores para todos nós.
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