Governo Dilma não fala a mesma língua das ruas - ROBERTO FREIRE
Apesar do clamor popular que ganhou as ruas do país nas últimas semanas, Dilma Rousseff vem mostrando que não entendeu a mensagem transmitida por milhões de brasileiros descontentes com os rumos da nação. O discurso da petista na última segunda-feira (24), na reunião com governadores e prefeitos no Palácio do Planalto, seria adequado se proferido por uma presidente recém-eleita, jamais por uma líder que exerce o cargo máximo da República há dois anos e meio e cujo partido está no poder há uma década.
Como se não tivesse qualquer responsabilidade pelos equívocos cometidos por sua própria administração, Dilma se comporta como mera espectadora da realidade brasileira. Ao anunciar “pactos” nacionais em áreas cruciais como saúde, educação e transporte, com medidas que já poderiam ter sido colocadas em prática, a presidente cria um factoide para esfumaçar a inescapável constatação de que os principais alvos das manifestações são o PT e o governo federal. Segundo uma pesquisa do Datafolha, a indignação com a corrupção foi apontada como o grande motivo para a participação nos protestos realizados em São Paulo, sendo mencionada por 50% dos manifestantes. Em resposta, a presidente prometeu mais transparência e defendeu uma nova legislação que classifique os crimes de corrupção como hediondos. Mas a realidade insiste em desmentir a propaganda petista.
Recentemente, o governo colocou sob sigilo todas as informações e os gastos relativos às viagens internacionais de Dilma, que só poderão ser consultados quando ela não estiver mais exercendo a função. Outro escândalo que escancara a desfaçatez da presidente é o estouro no orçamento da Copa do Mundo de 2014, competição que deve se transformar na mais cara da história, alcançando R$ 33 bilhões só em despesas de governos. Apesar da promessa do ex-presidente Lula de que o Brasil não desembolsaria dinheiro público para a Copa, a União já comprometeu R$ 1,1 bilhão nos estádios que receberão jogos do torneio, entre incentivos fiscais e subsídios em empréstimos.
O chamado “padrão Fifa”, que criou arenas assépticas às quais o torcedor pobre não tem acesso, se contrapõe à degradação dos hospitais ou à precariedade da educação, entre outras mazelas do país. Além da leniência do governo com a corrupção, que resultou em episódios históricos como o caso do dinheiro na cueca e o escândalo do mensalão, a sociedade brasileira se vê diante de outro tipo de ameaça às instituições. Dilma flertou perigosamente como golpismo ao propor um plebiscito sobre a convocação de uma Constituinte exclusiva que tratasse da tão desejada reforma política.
Detentora de uma gigantesca base aliada no Congresso, a presidente teve 30 meses para encampar alterações no sistema político- eleitoral e não o fez. Agora, tentou atropelar a Constituição e o Parlamento, ignorando uma prerrogativa que é dos deputados e senadores, e só recuou graças à repercussão negativa de sua proposta. Encurralada pela pressão popular, que não aceita mais o discurso vazio da propaganda e clama pelo fim da impunidade, pelo respeito às instituições e por serviços públicos de qualidade, Dilma não conseguiu decifrar o grito que emerge das ruas. E a cada nova tentativa de entender esse fenômeno, fica ainda mais distante dos reais anseios do povo.
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