A hora do rush - ALBERTO DINES
São legítimas as pendências no Congresso a respeito da forma de atender às exigências dos manifestantes. O grito das ruas deve ser traduzido em ações rápidas, legais, eficazes. Perigosas, altamente provocadoras, são algumas astúcias que a base aliada pretende utilizar para diminuir a dimensão das mudanças reclamadas. Como se a revolta já estivesse amainada, os ânimos aplacados e o roteiro eleitoral apto a prosseguir intocado.
As reivindicações não são descabidas: ao exigir melhores condições de transporte urbano, educação e saúde, exigia-se em simultâneo uma drástica revisão nos gastos públicos. Para compensar as perdas com a manutenção das tarifas de transporte, o governador Geraldo Alckmin antecipou-se e eliminou uma secretaria rigorosamente inútil. Terá de ir adiante; há muita gordura para ser cortada e tornar a máquina pública mais eficiente.
As aberrações administrativas na esfera federal, muito mais visíveis, deveriam ter sido identificadas logo nos primeiros pronunciamentos da presidente da República: o número assombroso de 39 ministérios para um atendimento público precaríssimo já deveria estar sendo examinado. O bispo Marcelo Crivella na pasta da Pesca não é a única extravagância funcional. Os partidos que apoiam o governo já deveriam ter sido advertidos que a presidente Dilma e o PT não podem arcar sozinhos com todos os prejuízos desta crise, as fidelidades doravante já não poderão ser compradas de forma tão aviltante.
Ao longo dessas quase quatro semanas de estresse escancarou-se a inutilidade dos ministérios dos Transportes e das Cidades. Seus ocupantes se autoexcluíram do processo decisório, sequer apareceram para mostrar quem são.
Um único ministério das infraestruturas absorveria as atuais pastas de Minas e Energia, Transporte, Portos e Aeroportos. Com o nome de Ministério da Justiça e Cidadania, poderiam ser absorvidas as secretarias de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Políticas para Mulheres. A existência de um ministério específico não garante a satisfação das necessidades de determinado setor. Qual a justificativa para separar Pesca e Aquicultura de Agricultura, Pecuária e Abastecimento? Por que razão micro e pequenas empresas não podem ser uma repartição do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio? Educação não se encaixa em Ciência, Tecnologia e Inovação? Quanto se ganharia em recursos, espaço, equipamentos, mordomias e, sobretudo, eficácia com um drástico enxugamento no primeiro escalão?
Depois do seu encontro com a presidente da República, um dos líderes do vitorioso Movimento do Passe Livre revelou sua decepção ante o despreparo do governo na questão da mobilidade urbana. Não deu detalhes; supõe-se que não faltem projetos financiados por empreiteiras para obras faraônicas e sistemas modais sofisticados.
É certo, porém, que nenhum departamento de qualquer esfera pública jamais resolveu encarar o desafio da desconcentração dos horários nas grandes e médias cidades. A infernal tensão da hora do rush – uma das principais motivadoras dos protestos – talvez pudesse ser aliviada com uma cidade funcionando em tempos e turnos diferenciados. Sim? Não? Talvez: em uma cidade mobilizada em torno do seu bem-estar, a hora do rush pode transcorrer sem traumas.
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