Jornalista Andrade Junior

quinta-feira, 27 de junho de 2013

A mutação, como escapar do Inferno (III)


‘A mutação, como escapar do Inferno (III)’, um artigo de Vittorio Medioli

PUBLICADO NO TEMPO
VITTORIO MEDIOLI
O terceiro capítulo estava pronto quando fui surpreendido por Dilma. Cercada por governadores e prefeitos convocados na representação de um presépio em volta de uma manjedoura, com promessa de verbas, a presidente apresentou os pontos de uma “pactuação” que estava sendo redigida, burilada nos bastidores, em sintonia com as pesquisas de opinião interpretadas pelo futurólogo e marqueteiro João Santana. No afã da versão, o conteúdo pecou num dia marcado por mais protestos. A “pactuação”, termo cunhado para distribuir responsabilidades aos outros que nunca dividiram méritos, bem no meio de uma crise apocalíptica (apocalipse = revelação), lançou apenas o sinal para sair da crise, e não a vontade e o desejo de corrigir erros.
Falta-lhe o arrependimento, ponto de partida de uma coisa mais séria. E a seriedade de um pacto maior já era fulminada pela ausência de líderes de partidos, bem como de líderes da Câmara e do Senado. Com o Congresso do outro lado do fosso, mais que pacto, a iniciativa apressada de Dilma inspira um confronto.
Mas que diabo de pacto sem Legislativo é esse? Por um comitê de ministros do PT contestados pela leniência com a corrupção? E governadores que, convidados pela empreiteira Delta, fizeram farras em Paris? Que legitimidade, e mais, que autoridade moral para apresentar um pacto parecendo castelo de areia para enfrentar a onda das ruas e de estudantes esclarecidos?
Hereges escrevendo normas eclesiásticas, que serão conduzidas ao plebiscito pela autoridade moral de Renan Calheiros, aquele que botava as amantes na conta das empreiteiras? Lá fora aqueles que desfilam de nariz avermelhado se acalmarão com a pactuação? Ou a considerarão uma enrolação? Baixarão os cartazes que reclamam pressa, justiça e seriedade? Ou continuarão a se sentir palhaços?
Claro que a tentativa reflete o profundo desconforto, a urgência de estancar uma revolta sem líderes, até uma intenção de aplacar os estudantes cujo sentimento durante o dia se alastrou em rodovias interditadas pela classe E, que reclama passarelas, redes de esgoto, linha de ônibus. Colocaram-se em frenesi os redutos dos bolsistas. Até tu! Como lamentou César caindo sob o punhal do filho Brutus.
E, para quem tinha dúvida das intenções confusas, o mais lamentável ocorreu na entrevista concedida, no Palácio do Planalto, pelos ministros do Comitê de Crise ─ o da Saúde, o das Cidades, o da Educação, a da Casa Civil e a das Relações Institucionais.
Para tratar de corrupção, a solução tangenciou a PEC 37, filha de um delirante deputado petista do Piauí, ainda não censurado, e se resumiu ao enquadramento na terminologia de hediondo. Muda o nome para deixar tudo igual; então quem redigirá e aprovará a mudança é o mesmo Legislativo, ausente na “pactuação”, que serve de refúgio aos mensaleiros condenados, presidido por Renan Calheiros.
A “pactuação” assim revela seu lado sombrio de intenções, parecendo um chute longe da área do Planalto pressionado. Lá no sentido do Congresso, onde se tenta deslocar a atenção e o embate, até a fúria das ruas.
Proposta anticorrupção que, em tese, poderá ser relatada por José Genoino ou um seu colega de partido. Mais a reforma política jogada para um plebiscito que será elaborado em seus quesitos pelo mesmo Congresso. A educação jogada no colo dos lucros do pré-sal. Sabe o ministro Mercadante que extrair um barril do pré-sal custa dez vezes de quanto custa um barril que se extrai agora do xisto, que a nova tecnologia de furos horizontais, dominada pelas companhias texanas, restituindo aos EUA petróleo barato e abundante? Daí o fortalecimento do dólar, tanto quanto o pré-sal enfraquece? Daí vem a solução?
Para a saúde, Dilma convocará médicos estrangeiros, notadamente cubanos. No Brasil, a saúde não funciona, por uma questão gerencial, por falta de priorização, de investimentos, de organização. Falta antiga de apetite e vontade. Lula, apesar de sua popularidade geral, no quesito saúde era reprovado por 60% da população, e, na era de sua sucessora, conseguiu-se chegar, em véspera de Copa, aos 78% de descontentamento. Evidentemente, uma dose além do tolerável, mesmo com o circo montado e as bolsas distribuídas em larga escala.
Ademais, Lula se encarregou de explicar no enterro de Hugo Chávez: “Eu ofereci a ele o Sírio-Libanês…”. Médicos são pessoas que passaram em primeiro lugar nos vestibulares, tem quociente intelectivo maiúsculo e conhecem de perto seu meio de profissão; se receberem mal a proposta, serão mais a engrossar o coro das ruas.
E amanhã haverá jogo no Mineirão botando em risco um mundo de gente… Que atrevimento.
Amanhã, depois da crítica, apresentarei propostas para escapar do Inferno.
 

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