por Ascânio Seleme
Na terça-feira passada a Justiça do Trabalho concluiu um processo de
reintegração e condenou o Serpro (Serviço Federal de Processamento de
Dados) a pagar R$ 80 milhões a dez servidores, de um grupo de 12, que
ficaram dez anos afastados das suas funções. Eles foram demitidos da
estatal em 1989 e reintegrados numa primeira decisão judicial em 1999.
Na ocasião, a empresa pública também foi condenada a ressarcir aos
funcionários reintegrados os salários não pagos ao longo do período em
que ficaram sem trabalhar.
Por uma série de razões, desde perda de prazos até falhas da defesa na
apresentação de dados e documentos, o Serpro foi acumulando derrotas, e
os servidores reintegrados foram vendo seu crédito com a empresa pública
aumentar. No ano passado, a estatal devia R$ 500 milhões aos
servidores. Além dos salários, os advogados dos funcionários conseguiram
na Justiça que fossem somados juros do período. Juros sobre juros, na
verdade, construindo para o Serpro uma dívida praticamente impagável de
meio bilhão de reais.
Na decisão da terça-feira, os dez funcionários que aceitaram o acordo
receberam cheques que variaram de R$ 2 milhões, para servidores de nível
médio, até R$ 25 milhões, para aqueles que tinham cargos de chefia na
ocasião da demissão. O pagamento foi feito depois de uma negociação
entre os novos advogados contratados pelo Serpro e os dos servidores que
durou cerca de um ano. A decisão agradou ao Serpro, que economizou R$
420 milhões. Mas, incrível, nem todos os funcionários saíram
satisfeitos.
Além da indenização milionária, os servidores foram aposentados com
vencimentos de R$ 12 mil a R$ 32 mil por mês. Só mesmo no serviço
público brasileiro isto seria possível.
Mesmo assim, dois funcionários resolveram não assinar o acordo. Na
petição inicial, de 1989, 12 servidores processaram o Serpro, todos
foram reintegrados, mas dois não fecharam o acordo desta semana para não
abrir mão de novos pleitos contra a empresa, o que seria proibido pelo
acerto entre as partes.
Uma servidora de 72 anos, que receberia R$ 10 milhões pelo acordo
proposto pelo Serpro, não aceitou os termos da negociação para
prosseguir o litígio onde ela espera receber o dobro, R$ 20 milhões.
Outro funcionário, que assinou o acordo e recebeu cerca de R$ 10
milhões, produziu a seguinte frase à saída do tribunal: “Hoje não se fez
justiça”. Não há como concordar mais com ele. Foi absolutamente injusto
pagar tanto a tão poucos.
Com muita boa vontade, supondo que todos os dez funcionários ganhassem o
salário teto do serviço público, que equivale à remuneração de ministro
do Supremo Tribunal Federal, ou R$ 33,7 mil, o máximo que o Serpro
deveria pagar equivale a cerca da metade do que de fato desembolsou.
Isso, se todos fossem presidente da empresa. O que obviamente não é, nem
foi o caso, basta olhar a disparidade entre as indenizações. Sem querer
dar aula de matemática, mas se considerarmos que as indenizações foram
de R$ 2 milhões a R$ 25 milhões, a indenização justa deveria ficar entre
R$ 10 milhões e R$ 20 milhões para o grupo inteiro.
Mas neste caso estamos tratando do serviço público federal e da Justiça
do Trabalho, duas instituições que merecem atenção especial.
Dificilmente um patrão ganha uma causa nos tribunais do trabalho, mesmo
se estiver bem documentado e com uma boa defesa. Quanto maior o patrão,
maior a gana da Justiça do Trabalho. Imagine então quando este patrão é o
poderoso Estado brasileiro tendo uma defesa mais do que ineficiente, na
verdade ausente durante diversas etapas do processo. A coisa só andou
em direção ao acordo quando o Serpro contratou um novo time de
advogados.
Essa montanha de dinheiro só foi produzida porque lá atrás, quando o
processo de reintegração começou a caminhar, a defesa inepta falhou
seguidamente no cumprimento de seu dever. Mesmo assim, considerando até
mesmo uma indenização um pouco maior por causa de eventuais danos morais
causados aos servidores demitidos, ninguém pode dizer que os R$ 80
milhões conformam um pagamento justo. Ao contrário, a fortuna que foi
injetada nas contas correntes dos dez funcionários é quase imoral,
embora resulte de um acordo judicial.
Ascânio Seleme é jornalista
O Globo
extraídaderota2014blogspot
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