Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 15 de junho de 2018

Cada um por si, quase ninguém por nós -

ANA CARLA ABRÃO ESTADÃO

O Brasil está tão viciado em subsídios, em benesses e em privilégios que chega a ignorar que essa conta, ao final, recai sobre a sociedade por meio de mais impostos ou maior desigualdade. O Brasil está tão tomado e o Estado tão capturado que não mais se distingue o público do privado. É o patrimonialismo que volta e meia dizemos atacar, mas que na prática continua aí, teimando em se perpetuar.

São sempre os mesmos, organizados em grupos de pressão, dentro e fora do setor público, que se beneficiam de recursos públicos, à custa de um País que já exauriu sua capacidade de tributar. São grupos que tomaram de assalto o Estado, as políticas públicas, as decisões legislativas e as ações de governo. Exemplos não faltam, nesses tempos difíceis que vivemos.

Ministérios se consolidaram como latifúndios partidários – e por vezes até familiares. Esta semana, o presidente Temer disse que considerava tirar o Ministério de Trabalho do PTB. Infelizmente, não é retórica. Assim como esse, vários são os ministérios e órgãos cujas ações financiadas com dinheiro público têm como única motivação o atendimento de interesses políticos específicos, na melhor das hipóteses. As ações públicas se tornaram moeda com a qual se compra apoio político aqui, um palanque ali ou um voto acolá. Como coordenar ações de governo nesse varejo de interesses? Afinal, se o loteamento leva ao atendimento de interesses específicos, não necessariamente convergentes entre si, onde estará o benefício público?

No Congresso, projetos de leis ficam à mercê de grupos de pressão. Modernizações necessárias e urgentes do nosso arcabouço legal e correções dos exageros e erros de políticas equivocadas esbarram nos lobbies de empresas privadas, organizações cartoriais ou sindicatos de servidores públicos barulhentos e influentes. Boa parte dos nossos parlamentares teve suas campanhas financiadas por esses grupos e, ao final do dia, acabam por servir aos seus financiadores e não aos seus eleitores. Afinal, quem ganha com a dificuldade de aprovação de leis importantes como a do cadastro positivo ou da duplicata eletrônica? E pelo não adiamento do aumento dos servidores públicos em pleno descalabro fiscal? A resposta, certamente, não é o cidadão.

No Judiciário, aquele poder que parece estacionado em Lisboa, o teto salarial e os auxílios-moradia deixaram de ser discutidos em uma ação de ninguém sabe, ninguém viu. Além disso, os supersalários, aqueles que o Conselho Nacional de Justiça disse investigar, estão guardados a sete chaves pois são legais e por isso, inquestionáveis. Esse mesmo judiciário se arma contra qualquer iniciativa de modernização que ameace as receitas dos cartórios, que são também suas receitas, e entrega uma justiça lenta, com tribunais abarrotados de processos e uma avaliação da população de que temos um dos piores – e mais caros – judiciários do mundo. Insisto, onde está o interesse público?

A reconstrução do Brasil passa pela nossa capacidade de entender que o público que se tornou privado está roubando a todos nós um pouco a cada dia. Nos Ministérios, nas empresas públicas, nas leis, na aplicação das leis e nas ações de governo. Cada subsídio, cada desoneração, cada política específica, ao beneficiar alguns, tira de muitos. Nos poucos casos em que há benefício coletivo indireto, custos e resultados têm de ser medidos, acompanhados, orçados e divulgados.

Precisamos fazer a pergunta certa e cobrar de quem detém a legitimidade do voto que reflita sobre como o interesse público se coloca em cada uma das suas ações. E nenhuma ação se justifica se não tiver nele o principal benefício. Hoje são poucos – mas os há e são louváveis e merecem o nosso reconhecimento e respeito – aqueles no governo que olham por todos nós. São bastiões que nadam em águas cada vez mais turvas, mas que mantém o rumo. São esses que agem em favor dos que padecem num Brasil pobre, deseducado, desmotivado e sem perspectivas. Quiçá 2019 nos traga esses e muitos outros assim, que trabalharão por nós e não por si.

ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN



































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