editorial do Estadão
Em entrevista ao Estado, o ex-diretor da Polícia Federal (PF) Leandro
Daiello disse que “o que tinha de papel e dados digitais na polícia
quando eu saí era suficiente para quatro ou cinco anos de operações”.
Leandro Daiello, que esteve à frente da PF de janeiro de 2011 a novembro
de 2017, dá a entender assim que as grandes operações policiais dos
últimos anos não deverão acabar tão cedo. Haveria tanta corrupção a ser
investigada que não seria possível o País voltar ao seu leito de
normalidade nos próximos anos.
Leandro Daiello fala em “quatro ou cinco anos de operações”. Outros,
mais impetuosos, entendem que tal estado de coisas não deve ter prazo
para terminar. Com isso, dão mostras de uma visão um tanto peculiar do
País, na qual tudo deveria se submeter ao que chamam de “combate à
corrupção”.
Ainda que faltem evidências empíricas à tese de que a corrupção é o
principal problema do País, sua simplicidade, repleta de certezas, atrai
cada vez mais adeptos, como mostram as pesquisas de opinião. A ideia
central é simplista: a corrupção não é apenas o maior problema nacional,
mas também a matriz de todas as mazelas do País.
A corrupção é, assim, transformada no grande – e, a rigor, no único –
inimigo que merece ser combatido. Bastaria aniquilá-lo para que todos os
outros problemas do País tivessem um novo e promissor encaminhamento. E
o inverso também é válido: enquanto a corrupção não fosse extinta, não
haveria possibilidade de uma melhora efetiva do País, por mais que
pudesse haver avanços em outras áreas. Tudo seria inútil enquanto o
grande mal não fosse vencido.
Tal simplificação da realidade finge que o País pode esperar
pacientemente o término do “combate à corrupção”, como se essa contínua
produção de escândalos não tivesse nefastas consequências
institucionais, sociais e econômicas.
Não há possibilidade de normalidade num ambiente econômico em que a cada
semana, às vezes, a cada dia, surge uma nova delação ou um novo
documento a demonstrar a suposta podridão de todo o sistema político.
Como ficará, por exemplo, a confiança dos investidores, dos empresários e
da população em geral com mais cinco anos de Lava Jato?
Essa visão distorcida sobre a corrupção tem também efeitos sobre a
democracia e a responsabilidade política. Se o combate à corrupção é o
elemento decisivo para salvar o País – se é a Justiça, e não o voto
responsável do cidadão, que tem o dever de assegurar um Congresso
honesto –, não há necessidade de uma mudança de comportamento do
eleitorado, que tem escolhido displicentemente seus representantes. Logo
depois da eleição, boa parte dos eleitores nem ao menos sabe qual foi o
candidato a deputado federal ou estadual que sufragou.
Achar que a corrupção é o principal problema do País não conduz
necessariamente a escolhas responsáveis na hora de votar. Como dissemos
neste espaço (Corrupção como medida de tudo, 18/6/2018), “sempre que os
brasileiros foram às urnas para eleger não um presidente da República, e
sim um campeão contra a corrupção – Jânio Quadros e Fernando Collor,
por exemplo –, os resultados foram nada menos que desastrosos”.
Logicamente, toda corrupção deve ser combatida. O bem do País não admite
transigência com o crime. No entanto, combater o crime, tarefa
essencial num Estado Democrático de Direito, é bem diferente do que “pôr
fim à corrupção”, numa espécie de revolução moral e política feita por
agentes do Estado sem voto. Hoje em dia, quando se fala de corrupção,
não se pede a aplicação estrita do Código Penal, como seria natural e
desejável. O clamor é por uma reforma política. “Se não tiver a reforma
política, a máquina vai continuar gerando (corrupção). Da maneira que a
política é jogada hoje, não sobrevive, não. A fábrica de corrupção está
aberta”, disse Leandro Daiello ao Estado. O grande mal seria a corrupção
e a grande vilã, a política. Nesse teatro, que nada tem de ingênuo, a
população é apresentada como vítima inerme, irresponsável tanto por seu
passado como por seu futuro.
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