Não há uma única prova material séria de que Bolsonaro tenha cometido qualquer dos crimes que lhe são imputados J.R. Guzzo
O Supremo Tribunal Federal, levando-se em conta estritamente as decisões que toma e a conduta de seus ministros, tem se mostrado capaz de tudo nos últimos anos. Menos de uma coisa: produzir um ato de justiça, tal como se entende a ideia de justiça nas sociedades civilizadas. Esse tipo de constatação costuma provocar intensa irritação entre os que consideram o STF brasileiro um exemplo universal de Corte Suprema — e acham uma sorte, realmente, que o Brasil conte nestes tempos incertos com vultos do porte de um Alexandre de Moraes, ou de um Dias Toffoli, fora os outros. Mas o fato objetivo continua aí: o STF deixou de produzir atos de justiça porque deixou de ser um tribunal de Justiça.
Não são os “adversários do STF”, ou os autores de “ataques” ao Poder Judiciário, que dizem isso. São os próprios ministros, da mesma forma como são eles, e unicamente eles, os responsáveis pela abolição do sistema judicial brasileiro e a criação, em seu lugar, de uma outra coisa. Essa coisa, que na prática opera com poder absoluto — nenhuma de suas decisões está sujeita à objeção de ninguém e de nada — é um órgão de Estado a quem cabe decidir, em última instância e em definitivo, o que é “bom para a sociedade”.
O STF não poderia ter deixado isso mais claro do que já deixou. O próprio presidente do tribunal, Luís Roberto Barroso, disse que o Supremo não é mais um “órgão técnico” a quem cabe lidar com a mera administração das leis, mas sim um “poder político” em ascensão — que, presumivelmente, passou a ter o direito e o dever de definir o que é melhor para o Brasil e para os brasileiros, uma vez que o Congresso Nacional, no entender dos ministros, não consegue fazer esse trabalho como deveria estar fazendo. Um dos ministros disse, e nunca foi contestado pelos colegas, que o STF tem como função “editar o Brasil”. Outro disse que o tribunal é o “Poder Moderador”.
Nada disso, obviamente, é justiça — e como poderia ser, se o próprio presidente da Corte diz que não é? Está lá com todas as letras:
deixamos de ser um “departamento técnico especializado” em questões jurídicas e passamos a ter funções de governo, define Barroso. Ele mesmo, em outra ocasião, afirmou durante um comício de estudantes: “Nós derrotamos o bolsonarismo”. O termo “bolsonarismo” não tem nada a ver com nada que possa fazer parte da ciência do Direito, ou das atribuições de um tribunal de justiça; trata-se de um conceito puramente político. Ser “contra” ou a “favor”, no caso, é questão que não pode interessar ao sistema judicial. O STF, via Barroso, defende a posição exatamente contrária.
Em favor da simplificação do debate, não vamos lembrar o detalhe, que não é nem um pouco um detalhe, de que a Constituição simplesmente não dá aos ministros do STF os poderes de determinar o que é “melhor” para o Brasil, ou o mais “justo”, ou o diabo que seja. Foram eles que atribuíram essas funções a si próprios, e isso é ilegal. A encrenca, aqui, é muito mais que constitucional. Pior, e mais urgente que possíveis debates de doutrina, é que o STF tem uma proposta impossível de se executar na vida real — sob pena de se instalar no país esse quebra-quebra jurídico que está aí na frente de todos.
Os superpoderes do STF
O STF está impondo ao Brasil, com o apoio fechado de um governo que se tornou seu sócio, uma situação contrária à natureza das coisas. Está na cara, para se ficar num exemplo simples, que o sistema das torres de controle dos aeroportos funciona para organizar decolagens e aterrisagens de modo que um avião não bata com outro. Não cabe à torre, com certeza, dizer às companhias aéreas como devem ser suas políticas de preço, digamos, ou o que precisam fazer a respeito das emissões de carbono. Da mesma maneira, não cabe ao STF aplicar as leis e, ao mesmo tempo, fazer política — escolher um “projeto de país”, dizer quais são os candidatos e em quem o cidadão deve votar, combater o “fascismo” etc. etc. Ou é uma coisa ou é outra. Se quer fazer política, não conseguirá fazer justiça.
É onde o Brasil está. Nada pode comprovar isso de forma tão patente como o processo no STF para determinar se o ex-presidente Jair Bolsonaro deve ou não ser réu de uma tentativa de golpe de Estado. Não é um julgamento — nenhuma democracia séria do mundo acharia que isso é um julgamento. É uma ação política, que se enquadra perfeitamente nas funções que Barroso e seus colegas prescrevem para o tribunal. Eles, a esquerda e mais muita gente têm certeza de que o ex-presidente, e a “extrema direita”, são perigo de morte para a democracia no Brasil. É dever do STF, portanto, em nome do bem comum que deve estar acima de tudo, suprimir Bolsonaro e o “fascismo” da política nacional. Não se pode, numa hora dessas, ficar pensando nas regras frias da lei, que não vão salvar a democracia. Certo?
O processo contra Bolsonaro é maior contrafação já cometida na História judiciária do Brasil. É tudo feito com a melhor das intenções, como dizem Alexandre de Moraes e quem acredita que é ele, e não a lei, que garante hoje a democracia no Brasil? Pode ser. Mas justiça, com certeza, isso aí não é. Dos cinco julgadores, três são seus inimigos declarados. Já tinha sido julgado e declarado réu antes de se dar o primeiro voto. Não há uma única prova material séria de que Bolsonaro tenha cometido qualquer dos crimes que lhe são imputados. A joia da coroa da PGR e de Moraes, que é publicamente vítima, investigador, promotor e juiz do caso, é a delação de um exassessor do presidente — uma maçaroca de alegações sem comprovação que corre o risco de ser considerada imprestável dentro do próprio STF.
Criou-se no Brasil a prodigiosa ficção de que houve uma “tentativa de golpe armado” para derrubar o governo Lula, e de que há “provas robustas” de que o responsável foi Bolsonaro. O problema fatal nesse enredo é que jamais houve golpe algum, e por via de consequência também não há prova alguma, e muito menos “robusta”. O que há é um condenado antes do julgamento — e uma encenação a ser executada, como nos processos mais clássicos das ditaduras. Bemfeito para Bolsonaro? É o Brasil sendo salvo de novo do bolsonarismo? É Deus escrevendo certo por linhas tortas? Pode ser tudo isso — da mesma forma que pode ser “bom para o país” que Bolsonaro esteja inelegível até 2030, embora não tenha sido condenado por nenhum crime até agora. Mas não é o processo legal. Isso não existe mais no Brasil.
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