Jornalista Andrade Junior

segunda-feira, 24 de março de 2025

A Aliança Transatlântica Europa-Estados Unidos

 TIAGO BARREIRA/INSTITUTOLIBERAL


Artigo publicado originalmente na Revista Ágora Perene


A aliança transatlântica entre Europa e Estados Unidos consolidou-se no contexto do pós-Segunda Guerra Mundial como um dos pilares da geopolítica global, fundamentada em um alinhamento militar e político entre americanos e europeus. Produziu como legado, no plano militar, o tratado da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em 1949 e a instalação de bases militares americanas por toda a Europa Ocidental. No plano econômico, destacou-se o Plano Marshall (1948-1952), um programa de assistência financeira e reconstrução que ajudou a revitalizar as economias europeias devastadas pela guerra.


O acordo era simples e uma troca vantajosa para ambos os lados. Os EUA, ao responsabilizar-se pela guarda militar de toda a Europa Ocidental, instalando bases estratégicas a quilômetros de Moscou, davam-lhe uma posição vantajosa de barganha diplomática frente aos soviéticos no contexto da Guerra Fria, detendo o expansionismo da União Soviética, que lançava sua “cortina de ferro” sobre países do Leste Europeu, como Polônia, Hungria e Tchecoslováquia – estes últimos violentamente reprimidos por intervenção militar soviética em meio a protestos civis nos anos 50 e 60. Do ponto de vista europeu, a presença militar americana levou à desmobilização parcial de seu orçamento militar, permitindo que recursos fossem direcionados para investimentos na reconstrução econômica e para a ampliação de gastos sociais, além da perda gradual de poder político da aristocracia militar, um dos núcleos ideológicos dos nacionalismos autoritários.


A aproximação com os EUA serviu de incentivo e inspiração à modernização econômica e democratização de países europeus então imersos em regimes autoritários, como Portugal e Espanha. O recebimento de apoio financeiro e militar americano, em troca de deter a influência soviética, foi um dos elementos impulsionadores da prosperidade econômica e da mudança de mentalidade política espanhola a partir dos anos 50 e 60, transformando a Espanha franquista, então um pária diplomático e de economia autárquica fechada, em uma nação de classe média democrática, com economia e sociedade integradas ao Ocidente moderno nas décadas posteriores. O processo de democratização espanhola após a morte de Franco, em 1975, foi calorosamente recebido e apoiado pelo governo americano, exemplificado pela visita do rei Juan Carlos I ao Congresso americano nesse período.[1]


O liberalismo democrático e econômico sairia, portanto, como a grande ideia vencedora na Europa Ocidental do pós-guerra, importada dos EUA e respaldada por este, trazendo uma onda de reformas institucionais e lançando os germes da integração econômica da União Europeia, inicialmente entre França e Alemanha, e gradualmente expandida aos demais países.


Essa aliança transatlântica tem enfrentado uma de suas crises mais graves em décadas, provocadas pelas negociações diplomáticas entre EUA e Rússia sem o respaldo ucraniano, nação em conflito apoiada pelo bloco europeu. Desde o início da gestão Trump, em 2025, sinalizou-se um maior isolacionismo diplomático e uma ruptura com as posições tradicionais americanas, enfatizando a prioridade dos interesses nacionais dos EUA em detrimento da estabilidade e segurança europeia, diante das investidas militares russas, além de sinais de desmobilização financeira parcial do orçamento militar americano destinado à OTAN.


A política externa do governo Trump representa um ponto de virada importante dentro do próprio Partido Republicano, que há poucas décadas estava imerso nas ideias do neoconservadorismo de Leo Strauss, destacando uma missão civilizacional americana de defesa e protagonismo dentro do “mundo livre” e democrático em contraponto ao mundo autoritário. No discurso ideológico do governo Reagan, mencionava-se o papel dos EUA como “farol da liberdade” frente ao totalitarismo comunista mundial. Em seu lugar, hoje, assiste-se a uma diplomacia bismarckiana do “America First”, sem ideais ou valores que a legitimem, baseando-se unicamente no pragmatismo calculista, o que gera atritos com aliados.


Alguns tendem a apontar esse movimento diplomático pragmatista e menos idealista dos EUA como uma postura mais adequada à nova realidade global. Aventuras militares neoconservadoras do passado, como a invasão unilateral do Iraque, são cada vez menos bem vistas em uma ordem internacional com maior influência das nações dos BRICS. O isolacionismo externo do governo Trump, em busca de reduzir os custos militares, também está ligado à preocupação econômica de setores mais libertários do governo, que buscam enxugar a máquina burocrática estatal americana, o “complexo militar-industrial”, para que ele seja repartido de maneira mais equilibrada com as nações aliadas. Em 2022, apenas sete dos 30 países membros da OTAN atingiram a meta de investir 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em defesa.[2]


Deve-se, de fato, reconhecer o grande peso do Estado americano, seus déficits públicos e a dívida trilionária – que atingiu um endividamento público de 119,62% do PIB em 2023[3] – como um grande obstáculo à economia americana. Embora aparentemente invisíveis hoje devido à posição internacional do dólar como moeda de reserva e ao pagamento de serviços da dívida relativamente baixos pelo Tesouro americano, em um cenário de crédito internacional abundante, esses déficits e a dívida pública representam um desafio estrutural.


Além disso, deve-se reconhecer que o orçamento militar dos Estados Unidos é desproporcional, mesmo em comparação com países como a China e a Rússia. Em 2022, os Estados Unidos lideraram os gastos militares globais com um orçamento de US$ 916 bilhões. A China ocupou a segunda posição com US$ 296 bilhões, e a Rússia ficou em terceiro, com US$ 109 bilhões[4]. O tamanho desproporcional do orçamento americano é, de fato, um resquício da Guerra Fria, cujo sentido se tornou cada vez mais questionável em tempos de paz. Em um cenário geopolítico atual, com novas dinâmicas de poder e desafios regionais, é razoável que os países europeus comecem a considerar maior autonomia militar. Eles devem estar preparados para estabelecer uma infraestrutura de defesa que esteja mais alinhada com seus próprios interesses de segurança, sem depender excessivamente de potências externas como os Estados Unidos. Esse movimento pode não apenas fortalecer a segurança europeia, mas também contribuir para um papel mais assertivo da Europa nas questões globais de defesa.


Contudo, uma diplomacia baseada no interesse nacional puro, embora traga ganhos imediatos, possui suas limitações a longo prazo. Uma realpolitik nacionalista crua que desconsidera e despreza princípios básicos do Direito internacional e a ideia de uma comunidade de nações — sem que isso implique necessariamente a postura globalista de entregar poderes locais a instâncias de poderes globais — incentiva que regimes autoritários adotem posturas semelhantes, gerando instabilidade no cenário global. O que o novo governo Trump me parece transmitir com suas sinalizações de força e poder é a ideia de que a vontade da nação americana é fonte de poder inquestionável, em nome da qual tudo deve ser legitimado, seja sob princípios éticos ou não – algo incompatível com a própria visão conservadora americana, vinculada à supremacia de uma ordem atemporal no âmbito político, acima dos interesses rousseaunianos momentâneos de uma vontade geral coletiva.


O historiador Oswald Spengler demonstrava como as civilizações entram em fase de ascensão e declínio, com os impérios expansionistas correspondendo a fases terminais de declínio. Constitui culturalmente a fase de declínio de uma civilização o deslocamento dos interesses de sua elite de temas espirituais, como Filosofia, cultura e arte, para temas materiais, como guerra, estratégia, economia e políticas de Estado. A cultura grega da polis cidadã encontra como término a burocracia imperial romana. De uma cultura introspectiva e voltada para dentro, em busca de afirmação espiritual, torna-se expansiva e voltada para fora, em busca de crescimento quantitativo. Se um império hoje faz demonstrações de força e poder sem a necessidade de justificar-se em valores e princípios universais, como a autodeterminação das nações — exemplo disso é a cessão dos direitos de exploração de recursos naturais ucranianos aos EUA —, fica evidente a direção que está tomando.


[1]  El País. Cálida acogida del Congreso americano a las palabras del Rey. https://elpais.com/diario/1976/06/03/espana/202600802_850215.html <Acesso em 1º de Março de 2025>


[2] Agência Brasil. Sete dos 30 países da Otan cumpriram meta de gastos em 2022 https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2023-03/sete-dos-30-paises-da-otan-cumpriram-meta-de-gastos-em-2022 <Acesso em 1º de Março de 2025>


[3] The Global Economy.com. Estados Unidos: Dívida pública https://pt.theglobaleconomy.com/USA/Government_debt/ <Acesso em 1º de Março de 2025>


[4]Wikipedia. Lista de países por gastos militares https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_pa%C3%ADses_por_gastos_militares <Acesso em 1º de Março de 2025>


*Tiago Barreira é doutorando em Filosofia pela Universidade Santiago de Compostela, pós-graduado em Filosofia pela Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro (FSB-RJ) e formado em Economia pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-Rio). Já atuou como analista de conjuntura econômica da FGV, tendo participado em projetos acadêmicos e de consultoria estratégica junto a órgãos públicos e multilaterais. É também diretor fundador do Instituto Ágora Perene, um think tank interdisciplinar de Filosofia, Economia e Humanidades.






PUBLICADAEMhttps://www.institutoliberal.org.br/blog/politica/a-alianca-transatlantica-europa-estados-unidos/

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