Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 28 de março de 2025

O poder das palavras originais: por que respeitar o sentido da Constituição é preservar a liberdade?

 Lexum 


Interpretar uma constituição é como desvendar o legado de um pacto solene. Não é uma tarefa para os caprichos do presente, mas uma busca pela verdade no momento em que essas palavras foram escritas e aceitas por uma sociedade inteira. O originalismo com base no sentido público das palavras nos convida a olhar para o texto como ele era compreendido por aqueles que viviam à época de sua promulgação, capturando o espírito do contrato entre governo e governados.


Imagine a constituição como uma carta aberta à nação, escrita não em códigos misteriosos, mas em uma linguagem que deveria ser clara para o cidadão comum. É isso que torna o sentido público tão poderoso. Não importa o que os legisladores secretamente desejavam alcançar, nem os debates calorosos travados nos bastidores. O que realmente importa é o que foi dito e como as pessoas entenderam essas palavras no contexto de sua época.


Essa perspectiva ecoa a filosofia de Ayn Rand, que via os contratos como o símbolo supremo de uma interação racional e voluntária entre indivíduos livres. Assim como o objetivismo valoriza o respeito pela realidade objetiva e pela integridade dos acordos, o originalismo reafirma que o texto constitucional é um contrato público, não um mosaico de intenções ocultas. Alterar seu significado sem o devido processo democrático seria equivalente a violar um contrato — um ato profundamente injusto, na visão randiana.


Quando pensamos em expressões como “segurança pública” ou “liberdade de expressão”, presentes na Constituição Brasileira de 1988, é essencial considerar como essas palavras eram entendidas no momento em que foram escritas. “Segurança pública”, por exemplo, era vista como uma responsabilidade estatal voltada à preservação da ordem e à proteção das pessoas e do patrimônio, especialmente em um contexto de redemocratização, em que se buscava restaurar a confiança nas instituições e superar os abusos do regime militar. Interpretá-la hoje com conceitos amplificados ou distorcidos, como uma desculpa para restrições indevidas de liberdades individuais, violaria o pacto democrático firmado em 1988.


Da mesma forma, “liberdade de expressão” foi consagrada como um direito fundamental em claro repúdio à censura dos anos de ditadura militar, assegurando a livre circulação de ideias e opiniões. Reinterpretá-la para permitir restrições arbitrárias sob pretextos como “desinformação” seria trair esse entendimento original e subverter os fundamentos de uma sociedade pluralista.


De maneira semelhante, a expressão “propriedade privada”, garantida no artigo 5º da Constituição, também está vinculada a seu contexto original. No momento de sua promulgação, a propriedade privada foi reafirmada como um direito fundamental, mas acompanhada da noção de “função social’“, destinada a equilibrar direitos individuais com objetivos coletivos. Contudo, a função social não é um conceito subjetivo ou ilimitado; trata-se de uma limitação objetiva, definida pela própria Constituição, que respeita a essência do direito de propriedade sem relativizá-lo. Ela não pode ser utilizada como justificativa para intervenções arbitrárias ou como instrumento de controle político e ideológico. Reinterpretar esse conceito além dos limites estabelecidos no texto seria uma violação do pacto democrático e da segurança jurídica.


Esse método também protege contra um dos maiores perigos para o estado de direito: o ativismo judicial. Juízes, como qualquer ser humano, têm suas próprias opiniões e paixões. Sem uma âncora objetiva, o risco de reescrever a constituição para atender aos ventos políticos do momento é real. Interpretar as palavras como foram originalmente compreendidas oferece um limite claro: o juiz não pode reinventar o texto, apenas aplicar o que foi deliberadamente promulgado. Para Rand, esse tipo de objetividade é essencial, pois o oposto — o subjetivismo — é a porta de entrada para a arbitrariedade e a tirania.


Interpretar uma constituição pelo sentido público das palavras é mais do que um método jurídico; é um compromisso com a estabilidade, a previsibilidade e a essência da democracia. É uma forma de garantir que a constituição continue sendo o que foi prometido ao povo no momento de sua adoção, sem se perder nas pressões ou paixões do presente. Ao honrarmos o significado original das palavras, preservamos não apenas o texto, mas também a confiança fundamental que sustenta o estado de direito. É, em última instância, um ato de justiça — como Rand definiria, dar ao texto o que é devido, sem concessões à arbitrariedade ou à emoção.


Esse compromisso com o sentido público original das palavras na Constituição também reflete um profundo alinhamento com os princípios do libertarianismo, que coloca a liberdade individual e a limitação do poder estatal como fundamentos de uma ordem política legítima. O originalismo, assim como o libertarianismo, reconhece que as leis devem servir para proteger os direitos naturais dos indivíduos — vida, liberdade e propriedade — e não para conceder poder discricionário a agentes do Estado.


Ao restringir a interpretação constitucional às palavras e ao contexto original, o originalismo preserva o contrato social legítimo, evitando expansões arbitrárias do poder estatal que podem minar a autonomia individual. Como argumenta Randy Barnett, interpretar a Constituição com base no significado original é um ato de respeito aos direitos inalienáveis que ela foi concebida para proteger, reforçando o ideal libertário de que o governo deve ser limitado por regras claras e objetivas, assegurando um ambiente onde a liberdade floresça.


Interpretar a Constituição pelo sentido público original é resistir à tentação de criar uma “novilíngua” jurídica, onde palavras são moldadas para significar tudo e, por isso, nada. Assim como em Admirável Mundo Novo, onde a manipulação da linguagem serve para controlar pensamentos e subjugar indivíduos, reinterpretar arbitrariamente os textos constitucionais corrói os alicerces do estado de direito e transforma garantias fundamentais em instrumentos de poder. No mundo de Huxley, a novilíngua eliminava a complexidade e a profundidade das ideias humanas; no mundo jurídico, interpretações subjetivistas eliminam a clareza e a segurança necessárias para a liberdade individual.


O originalismo, por outro lado, é um ato de preservação da integridade da linguagem constitucional, mantendo as palavras em sua pureza original, sem distorções oportunistas. Ele nos lembra que a Constituição não é um artefato moldável pelas mãos do momento, mas um pacto de significado, um acordo que transcende gerações e garante que as liberdades individuais não se tornem reféns do poder.


No compromisso com o texto original, reafirmamos que as palavras têm peso, os direitos têm limites, e a liberdade tem um preço: o respeito à verdade que essas palavras encerram. Assim, protegemos não apenas o texto da Constituição, mas também a essência de uma sociedade livre e democrática, longe das sombras da tirania da linguagem flexível e do controle totalitário. Preservar o sentido original da Constituição é mais do que uma escolha metodológica — é a defesa intransigente da liberdade contra a tirania do relativismo.


*Leonardo Corrêa: Advogado formado pela PUC -Rio com LL.M pela University of Pennsylvania.


*Artigo publicado originalmente no site da Lexum.

























PUBLICADAEMhttps://www.institutoliberal.org.br/blog/justica/o-poder-das-palavras-originais-por-que-respeitar-o-sentido-da-constituicao-e-preservar-a-liberdade/

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