Ubiratan Jorge Iorio
“É só uma fase ruim, mas anime-se, porque logo vai piorar.”
(Autor desconhecido)
Ao se considerar a política econômica do atual governo, a impressão é a de que é impossível ser otimista e ao mesmo tempo conhecer minimamente o mundo real ou dominar conceitos econômicos, por mais básicos que sejam. É uma coisa ou outra: quem conhece economia ou, pelo menos, aprendeu no dia a dia a observar como ela funciona não tem como enxergar qualquer perspectiva de progresso para o Brasil, e quem acha que o país está bem ou que, nas atuais mãos, vai melhorar, é porque, indubitavelmente, desconhece os rudimentos da teoria econômica ou nasceu dotado de enorme incapacidade de observação e colossal inaptidão para o aprendizado. Analisar a economia não é como torcer por um clube de futebol, em que é possível sempre ser otimista, porque, mesmo quando nosso time está jogando muito mal, um lance fortuito pode lhe dar a vitória; na economia, quem joga mal perde sempre.
A gestão do ministro da Fazenda até aqui — com as bênçãos do seu chefe, é bom frisar — pode ser assim resumida: gastar e arrecadar hoje; gastar mais e arrecadar mais amanhã; gastar muito mais e arrecadar muito mais depois de amanhã; e assim sucessivamente. O discurso de austeridade fiscal até que está na ponta da língua, mas o que se observa na prática é a absoluta ausência de limites para a sanha gastadora e para a cólera arrecadadora. Ou não é assim?
Os problemas que essa política acarreta são frequentemente minimizados ou simplesmente desprezados por quem a defende, a começar pela imprensa amestrada e pela Academia acumpliciada: ao inferno as preocupações com a dívida interna, porque, afinal, como alguns dinossauros econômicos já escreveram em jornais “consorciados” e supostos especialistas escolhidos a dedo expressaram em canais de TV irrigados com verbas oficiais, até hoje nenhum governo faliu e fechou as portas (o que supostamente lhes outorga a prerrogativa de gastar sem qualquer preocupação); que se dane o medo de a inflação explodir, já que aumentos contínuos de preços podem até ser bons para estimular a produção; macacos mordam os economistas conservadores que vivem preocupados com “dominância fiscal”, uma vez que esses tecnocratas têm o coração duro e não possuem qualquer sensibilidade social; raios partam os temores de que o setor privado está sendo cada vez mais sufocado, dado que, ao fim e ao cabo, é o governo que tem a capacidade e deve assumir a responsabilidade de tocar a economia para a frente; e chovam canivetes sobre quem reclama do preço da picanha, porque é uma pessoa presunçosa e metida a rica, que se recusa a trocá-la por músculo ou pescoço.
É cansativo, a esta altura do campeonato, ainda ter que se deparar com tantos argumentos broncos, e por isso é muito inquietante observar alguns movimentos recentes do governo e antever as suas consequências. De fato, é insano que, já no final do primeiro quarto do século 21, depois de tantas experiências, erros e acertos que poderiam ter sido ricos em ensinamentos sobre o que deve e o que não deve ser feito em situações semelhantes, ainda se acredite no Estado como o grande responsável pelo progresso e ainda se cogite a adoção de certas medidas para tentar segurar a chamada (erradamente) “inflação de alimentos”, como, por exemplo, políticas de controle de preços e de estabelecimento de cotas de exportações. Francamente, o governo brasileiro parece estar ainda na década de 80 do século passado, alheio à digitalização, ao papel informativo das redes sociais, aos extraordinários avanços tecnológicos, ao fim da guerra fria, à necessidade de competitividade, aos requisitos de segurança jurídica, à integração comercial e ao salto extraordinário de nosso agronegócio. O discurso do PT e de seus aliados de esquerda — a começar pelo do presidente — não mudou absolutamente nada desde então, e suas ideias permanecem aprisionadas e imobilizadas em uma gigantesca teia de aranha pendente do teto de uma caverna medonha.
Preocupado com a queda acentuada nos índices de popularidade, que navegam merecidamente no nível mais baixo de seus três mandatos, e tendo em vista as eleições do próximo ano, o presidente, instigado pela ala política de seu governo e provavelmente aconselhado por seu novo marqueteiro-mor, “encomendou” um conjunto de medidas econômicas para serem adotadas imediatamente. Trata-se, como não poderia deixar de ser, de um “pacote de bondades” que mescla populismo desenfreado, obscurantismo econômico desbragado e déficit de aprendizado desvairado. Uma lástima.
No rol de medidas resultantes desse trio execrável estão: o anúncio de isentar do Imposto de Renda as pessoas físicas que ganham até R$ 5 mil por mês; a proposta de reformulação do crédito consignado para trabalhadores do setor privado com carteira assinada; a permissão para que pequenas e médias empresas usem as movimentações financeiras por meio do Pix para garantir empréstimos; o “Gás para Todos”, com a ampliação do Auxílio Gás de 5,4 milhões para 22 milhões de famílias; a distribuição de todos os medicamentos do programa Farmácia Popular de forma “gratuita”; o programa Pé-de-Meia, que oferece incentivos financeiros a estudantes do ensino médio de escolas públicas para estimular a permanência até a conclusão dos estudos; a permissão para que os trabalhadores que aderiram ao saque-aniversário e foram demitidos sem justa causa entre janeiro de 2020 e fevereiro de 2025 possam resgatar o saldo retido no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); e a concessão de benefícios tributários para micro e pequenas empresas exportadoras, que poderão pagar menos tributos do Simples Nacional. Essas propostas, entretanto, se defrontam com a insuficiência de fontes de financiamento e com as habituais cobranças do Congresso pela reforma ministerial e pela liberação de emendas parlamentares que, como se sabe, foram questionadas pelo Supremo Tribunal Federal.
No entanto, se você, com toda a razão, acha lamentáveis esses projetos e outros semelhantes, é aconselhável preparar-se, porque poderão sobrevir coisas ainda piores. Quem tem olhos para enxergar sabe que a recente escolha da nova ministra da Secretaria de Relações Institucionais, encarregada da importante tarefa de negociar as pautas do governo com o Congresso, é um indicador seguro de que o presidente parece inclinado a redirecionar o seu governo (ainda) mais para a esquerda, imaginando que isso lhe devolverá a aprovação popular. Todos sabem que a ministra, dentro do partido que presidiu até ser nomeada, partilha das ideias das alas ideológicas mais radicais, que são contra a austeridade fiscal, não veem a inflação e a dívida pública como problemas, olham para o setor privado sempre com desconfiança e — pasmem — até acreditam na existência de um papel “empreendedor” para o Estado na promoção do desenvolvimento.
Sim, por incrível que pareça, ainda há quem acredite nessas bizarrices e, em especial, há quem aceite a ideia estapafúrdia de que o Estado pode empreender. Há, inclusive, economistas que se prestam a dar respaldo pretensamente científico a elas, como a italiana Mariana Mazzucato, autora do livro O Estado Empreendedor: Desmascarando o Mito do Setor Público Vs. Setor Privado, admirada por Bill Gates e, segundo a imprensa, pelo papa Francisco, consultora de vários governos (entre os quais, como não poderia deixar de ser, o do Brasil) e que vem sendo endeusada pela esquerda globalista desde o tempo da pandemia por defender que a covid-19 foi uma oportunidade de construir um capitalismo radicalmente diferente, com destaque para os investimentos do Estado nos processos de inovação, assim como por seus inacreditáveis propósitos de acabar com o “mito de que o Estado é uma entidade burocrática que simplesmente promove a lentidão [sic]” e de demonstrar que em economia “o valor não é apenas o preço”. Ou seja, os objetivos dela são: primeiro, provar que o Estado não é o Estado e, segundo, que preço e valor são coisas diferentes, algo que os precursores da Escola Austríaca em Salamanca já demonstraram há 500 anos, na linguagem da época.
É curioso como os círculos ditos “progressistas” têm uma necessidade patológica de prestar culto a economistas hábeis em construir gambiarras para revestir de “ciência” cogitações que não passam de apanhados de velhas falácias, fartamente comprovadas. Quem não se lembra, apenas para citar um exemplo, de Thomas Piketty, o francês que se tornou mundialmente conhecido com o livro O Capital no Século XXI, de 2013, um esforço incrível e nada ético de manipulação de dados para dar a impressão de que nos países desenvolvidos a taxa de acumulação de renda é maior do que as taxas de crescimento econômico, o que seria, segundo ele, uma ameaça à democracia, a ser combatida por meio da taxação de “grandes” fortunas?
A verdade é que parece bastante plausível a intensificação das antigas e conhecidas discordâncias entre o ministro da Fazenda e a nova ministra de Relações Institucionais, ou seja, tudo leva a crer que o governo vai escolher se vai permanecer cometendo os erros graves que o vêm caracterizando ou se vai passar a praticar outros ainda mais crassos ou, em outras palavras, se vai continuar sendo incompetente ou vai ser ainda mais incompetente.
Diz-se que o núcleo político do governo, prestes a meter o nariz na seara da Fazenda, quer impor cotas de exportação e criar um imposto para quem vende produtos no exterior, tal como a Argentina fez no governo desastroso de Alberto Fernández. Isso, além de prejudicar a competitividade do agro nacional e onerar a produção com mais um imposto, enviará um sinal claríssimo, dentre tantos outros já emitidos, para os investidores e empresários externos: o de que investir no Brasil será sinônimo de correr riscos ingenuamente, uma vez que as regras do jogo mudam a qualquer momento.
A isenção do Imposto de Renda para quem ganha menos de R$ 5 mil, juntamente com as demais propostas do pacote de bondades, obviamente, provocará perda de arrecadação, algo de que o governo do PT foge como o Capiroto zarpa da cruz. Segundo o Ministério da Fazenda, somente o impacto da isenção do IR, sem considerar os demais efeitos causados pelo pacote, será de R$ 35 bilhões. Alguns economistas, no entanto, questionam esse valor e estimam uma queda de arrecadação perto de R$ 50 bilhões.
Dado que a queda na receita precisará ser compensada de alguma forma, parece plausível esperarmos uma tentativa do governo de taxar as “grandes fortunas”, uma experiência que fracassou em todos os países em que foi posta em prática, mas que exerce um fascínio enorme, alimentado pela inveja, sobre a esquerda. Já podemos até antever certa jornalista, na roda de um outrora respeitado canal de TV fechada, tentando convencer aos poucos telespectadores que a emissora — transformada tristemente em porta-voz do governo — ainda possui: “O governo vai taxar as grandes fortunas. Entenda como isso é bom”.
Não tem jeito, gente. Desconheço o autor da frase que coloquei na epígrafe, mas é forçoso reconhecer que, com o atual quadro econômico, com ou sem a guinada ainda mais radical à esquerda, ela reflete a verdade. Esse governo é uma verdadeira campanha de vacinação contra o otimismo. E olhe que neste artigo só falei de economia…
Ubiratan Jorge Iorio é economista, professor e escritor.
*Artigo publicado originalmente na Revista Oeste.
PUBLICADAEMhttps://www.institutoliberal.org.br/blog/economia/vacinacao-contra-o-otimismo/
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